Registros de animais silvestres cada vez mais próximos da área urbana estão associados a intervenção humana e impactos no habitat. Prefeitura também destaca adensamento vegetativo. Bugio é visto por moradora de Presidente Venceslau durante caminhadas
Já pensou em sair para fazer uma caminhada e “dar de cara” com bugios? Pois é! Esta cena tem sido cada vez mais frequente em Presidente Venceslau (SP), especificamente próximo a um fragmento de mata na região de um clube social.
Mas, além do entusiasmo de visualizar esses belos animais de uma família de primatas ameaçada no Estado de São Paulo, há a preocupação sobre o que tem sido feito para preservar aquela área.
Bugios são vistos frequentemente em Presidente Venceslau
Sabrina Paulino Soriano Estrella de Oliveira
E foi devido a essa preocupação que a Sabrina Paulino Soriano Estrella de Oliveira, de 32 anos, moradora naquela região há cerca de um ano, falou com o G1.
Ela já pôde observar por várias vezes os bugios e outros animais silvestres no local ao sair para fazer caminhada numa pista que tem na área verde, entre eles tucano-toco, arara-canindé, tatu e cotia.
Além disso, conforme lembrou Sabrina, também teve o jacaré resgatado de dentro da piscina do clube social. Após capturado pelo Corpo de Bombeiros, o réptil de aproximadamente dois metros de comprimento e 20 quilos foi solto na reserva do Parque Estadual do Rio do Peixe.
“Na primeira vez [que o bugio foi visto], eu e meu marido estávamos passeando com os cachorros, ouvimos um barulho e o vimos. Ficamos entusiasmados. Era um macaco bem grande, acho que era o macho. Mas achamos que nunca mais o veríamos de novo”, contou Sabrina ao G1.
Sabrina ainda relatou que outras pessoas já viram os bugios, inclusive, filhote da espécie, e que todos acham bacana essa proximidade, principalmente crianças, que chegam a levar bananas. “Mas tem a preocupação de alguém machucar ou tentar capturar”, salientou.
“Eu mandei a foto com a intenção de preservar aquele local e que as autoridades tenham um olhar especial com esses animaizinhos”, ressaltou Sabrina ao G1.
Animais são frequentemente vistos na área verde próxima a clube social
Google Earth/Reprodução
‘Ameaçada’
A espécie vista é um bugio (Alouatta sp), do gênero Alouatta, que faz parte de uma família de primatas que está ameaçada no Estado de São Paulo, conforme ressaltou ao G1 o biólogo, especialista em gestão ambiental, professor e fotógrafo de natureza Helder Telles Stapait, também morador de Presidente Venceslau.
O biólogo observou que o espécime da foto pode ser um macho adulto, porém, não é o macho alfa. “O alfa do bando adquire uma coloração escura, muito próxima ao preto. Então, esse não é o macho dominante do seu bando, da sua família”, explicou.
Bugios são vistos com frequência em Presidente Venceslau
Sabrina Paulino Soriano Estrella de Oliveira
Parte do chamado Pontal do Paranapanema, que fica no extremo oeste do Estado de São Paulo, Presidente Venceslau conta com uma transição de Mata Atlântica para o Cerrado; este é exatamente o bioma onde essas espécies estão inseridas.
Desta forma, a cidade abriga há anos muitas famílias de bugios espalhadas por fragmentos de matas, inclusive, próximos ao perímetro urbano. Este fator torna comum a visualização desses animais, principalmente por pessoas que vivem em propriedades rurais nas proximidades do clube social.
Contudo, “nunca tão próximo [da área urbana] como foi, como está sendo agora”, salientou Stapait.
Além de estarem mais perto da área urbana, estas visualizações estão mais frequentes. “Houve um aumento [de visualização] proporcional ao avanço do perímetro urbano aqui em Presidente Venceslau”, comentou ao G1.
Todo este cenário tem aspectos positivos e negativos, de acordo com o biólogo.
O positivo são a preservação da espécie e o indício de sua adaptação no perímetro urbano, coexistindo com as atividades da sociedade. “Então, isso permite que a espécie permaneça estabelecida nessas regiões, nessas áreas fragmentadas”, acrescentou.
Mas tem o aspecto negativo: o habitat dessas espécies já não pode mais abrigá-los. A tendência é eles invadirem cada vez mais o perímetro urbano, porque o seu local de convivência, o seu habitat natural foi comprometido e eles precisam se deslocar em busca de alimento e proteção, abrigo.
Vulnerabilidade
Quando o homem avança com construções, indústrias e fábricas, novas áreas acabam exploradas. “Aqui na região do Pontal do Paranapanema, nós tivemos ao longo de muitos e muitos anos, mais especificamente nos últimos 40 anos, uma enorme exploração com muitos impactos ambientais gravíssimos”, ressaltou Stapait.
Um exemplo citado pelo biólogo, com base em dados da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), foi a Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, construída no Rio Paraná, no distrito de Porto Primavera, em Rosana (SP), que “alagou” um grande território onde havia cerca de 15 mil de indivíduos de bugios, mas pouco mais de seis mil deles foram resgatados.
“Muitos podem ter se afogado e muitos outros podem ter migrado para outras áreas, mas esse território jamais foi recompensado, esse território que foi alagado, esses animais se perderam, não só estes, mas muitos outros”, disse.
“O maior inimigo dessas espécies é a intervenção humana. É essa intervenção que está inviabilizando o sucesso dessa espécie, a permanência dessa espécie, a sobrevivência deles”, destacou.
E são os fatores ligados à interferência humana que podem ser um dos motivos do aumento desses registros, cada vez mais próximos da área urbana, segundo o biólogo. “Conforme a cidade está crescendo, está aumentando a visualização de animais silvestres dentro do perímetro urbano, e ali naquele pedaço da mata próximo ao clube está sendo implantado um novo residencial”, comentou.
“Então, nós tivemos ali uma interferência no habitat natural dessa espécie, dessa e de muitas outras espécies. Ali nós já vimos tatu, tamanduá, bugio, jiboia, várias espécies de aves, e um jacaré que foi pego dentro da piscina do clube”, lembrou ao G1.
O biólogo explicou que essa “invasão” no perímetro urbano pode ocorrer por duas situações: os animais estão ou em busca de proteção ou em busca de alimentos, pois o território deles está cada vez menor.
“Por mais que estudos e também atos de compensação ambiental estejam sendo executados, estes levam tempo para estarem preparados pra utilização ou moradia dessas espécies. Então, tem um problema sério aí com a compensação e a invasão desses animais em busca da comida e da proteção”, destacou Stapait ao G1.
Presidente Venceslau tem vários fragmentos de mata
Google Earth/Reprodução
Habitat comprometido
Stapait ainda lembrou que há em construção dois loteamentos residenciais, próximos um do outro, que praticamente fazem borda com o fragmento de mata que está abrigando essas espécies de animais silvestres.
“Não consigo enxergar algo que favorece a permanência dessa espécie aqui sem a interferência humana. Acredito que a interferência humana esteja viabilizando recursos que possibilitem a permanência desses animais ali naquele ponto, do jeito que está neste momento, com a mata extremamente fragmentada e cada vez menor, seu habitat cada vez mais comprometido”, apontou.
O biólogo ainda declarou que vê a situação “com maus olhares, por conta da invasão do homem nesses habitats”.
“Então, vejo que a tendência é que essa mata cada vez fique mais fragmentada, seja mais comprometida e que possa até ocasionar o desaparecimento dessas espécies por aqui”, frisou ao G1.
Conforme lembrou o biólogo, além de o fragmento de mata estar vulnerável por causa do avanço humano naquela região, há também o problema da poluição da água em um córrego localizado naquele perímetro.
Orientações
Com a proximidade entre humanos e animais silvestres, é importante tomar algumas precauções. Entre as recomendações do biólogo, estão o cuidado com o entulho e com o descarte correto de lixo e a redução da velocidade de veículos que transitam no perímetro dos fragmentos de mata para evitar atropelamentos, entre outras coisas que possam atrair esses animais para abrigo e alimentação na área urbana, inclusive, dentro de casas.
O biólogo comentou ao G1 que, em campo, observou animais silvestres, como lebres e aves de rapina, habitando nos loteamentos. Sendo assim, para a população que já vive próximo àquela área verde e para a população que irá morar no residencial, a orientação é tomar muito cuidado com o descarte de lixo e com o acúmulo de entulho.
“Tudo isso atrai outros animais indesejados, como por exemplo o escorpião, que pode buscar abrigo e ele pode encontrar abrigo no entulho, ou ele pode procurar comida e encontrar comida ali no local onde o lixo está sendo descartado de maneira inadequada”, exemplificou.
Outro problema pode ocorrer em dias de chuvas mais fortes, segundo exemplificou Stapait.
“Esses animais silvestres podem querer adentrar no perímetro urbano em busca de abrigo, como acontece com cobras, e isso vai ser comum ali, como é comum as pessoas que já vivem próximo a essa área encontrar jacaré dentro de casa”, contou o biólogo ao lembrar que já resgatou filhotes de jiboia dentro da residência de uma pessoa moradora naquela região.
Moradora de Presidente Venceslau encontra bugio durante caminhadas
Outro lado
Prefeitura
A Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente (Seaama) de Presidente Venceslau acrescentou ao G1 que a presença de animais silvestres na área também pode estar ocorrendo devido ao “adensamento vegetativo”.
“Observando imagens de satélite dos anos anteriores, por exemplo a de 2002, na área em questão houve um adensamento vegetativo, comparando com 2020. Assim, esse adensamento pode ser um dos motivos pelos quais os animais estejam adentrando na área urbana”, explicou a Seaama ao G1.
Imagens aéreas indicam aumento de vegetação nativa, diz Seaama
Reprodução/Google Earth/Seaama
Ao observar imagens aéreas e o projeto disponível na Prefeitura, no local dos loteamentos, “as áreas com vegetação arbórea foram preservadas, sendo suprimidas apenas espécies isoladas”, conforme a Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente.
“O único local com interferência antrópica é onde se encontra a estrada vicinal PSV-447 (antiga Boiadeira), com o devido licenciamento ambiental aprovado pela Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo]”, informou a secretaria.
Sobre ações para o local, a Seaama relatou ao G1 que, ao longo do Córrego da Mangueira, existem vários fragmentos de vegetação nativa arbórea, que estão inseridos em Área de Preservação Permanente (APP).
O município não possui atribuição para liberação de obras inseridas em territórios de APP, o licenciamento é realizado pela Cetesb, no entanto, nas áreas de domínio público ao longo do córrego foi realizado o plantio de árvores nativas para adensamento da mata e alocação de alambrado para isolamento.
“A Prefeitura promoverá a instalação de alambrados paralelos à Rua Antônio Marques da Silva, para isolamento da vegetação, segurança dos munícipes e delimitação do espaço para os animais silvestres”, contou ao G1.
Também foi colocado pela Seaama que o licenciamento dos futuros residenciais é de competência do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo (Graprohab); o loteamento Reserva Flamboyant foi certificado e aprovado em 2017 e o loteamento Jardim Iguatemi, em 2018. “A Prefeitura apenas registra o projeto aprovado em seus anais. A parte de monitoramento fica a cargo dos órgãos que fazem parte do Graprohab”, explicou.
O Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo confirmou ao G1 que os projetos de ambos os loteamentos “foram aprovados de acordo com a legislação vigente”.
Em relação ao córrego citado pelo biólogo, a Seaama disse ao G1 que, no momento, tal curso d’água “encontra-se sem contribuição de esgoto sanitário, inclusive com a verificação na presente data [3 de fevereiro]”.
“Com a construção da ETE [Estação de Tratamento de Esgoto] Norte, todo esgoto da região norte é tratado. A turbidez da água pode ser motivada pela contribuição pluvial, a qual faz uma lavagem das ruas e leva sedimentos e matéria orgânica para o leito do córrego”, esclareceu.
A secretaria ainda destacou que denúncias podem ser feitas através do telefone 08000-13-5959, para que a Prefeitura investigue possíveis irregularidades causadas pelos residenciais (áreas particulares) e encaminhe aos órgãos responsáveis.
Condomínios
O loteamento mais próximo dos fragmentos de mata é o Condomínio Reserva Flamboyant. Ao G1, um representante relatou que, na implantação, foram atendidos “rigorosamente os requisitos ambientais dos órgãos responsáveis”, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e a Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, conforme normas do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo.
Segundo o condomínio, foi realizado o plantio de mais de 10 mil mudas de espécies nativas e doadas mais de 45 mil metros quadrados (m²) de áreas verdes/APP ao município.
Ao G1, ainda foi colocado que “a área efetivamente utilizada para implantação do empreendimento era há muitos anos utilizada para pastagem e apresentava muitas erosões e lixo oriundo dos bairros vizinhos”.
“Contamos com muros e alambrados que minimizam a interferência dos animais silvestres junto às residências, sendo nossa cultura trazer campanhas educativas para o bom convívio das pessoas com o meio ambiente, tanto que temos mais de 19.000 m² de áreas de lazer com áreas verdes, bosques de espécies nativas e, inclusive, um orquidário”, finalizou.
O G1 também procurou os responsáveis pelo Loteamento Jardim Iguatemi, mas não obteve resposta até esta publicação.
Cetesb
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo informou ao G1 que os loteamentos Residencial Flamboyant e Jardim Iguatemi foram aprovados junto ao Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo, em 18 de abril de 2017 e 20 de fevereiro de 2018, respectivamente.
Quanto à poluição no Córrego da Mangueira, a agência da Cetesb em Presidente Prudente (SP) “não tem o registro de demandas pendentes sobre este assunto”.
Bugios são vistos com frequência em Presidente Venceslau
Sabrina Paulino Soriano Estrella de Oliveira
Cesp
O G1 também procurou a Cesp sobre os apontamentos relacionados à Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta. Por meio de nota, a companhia esclareceu que “vem cumprindo com seus compromissos socioambientais e que considera a conservação da biodiversidade um de seus pilares de atuação como empresa sustentável”.
“A UHE Engenheiro Sérgio Motta possui Licença de Operação emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e opera regularmente, tendo sempre cumprido com as obrigações socioambientais exigidas pelo órgão licenciador”, explicou.
De acordo com a Cesp, entre as ações e programas voltados à conservação da biodiversidade da fauna e da flora, está a criação de unidades de conservação que servem de abrigo aos animais, inclusive os bugios. Foram citados pela empresa o Parque Estadual do Aguapeí, o Parque Estadual do Rio do Peixe, o Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cisalpina, esta última administrada pela Cesp.
Além disso, a companhia de energia declarou que mantém convênios com os governos dos estados de São Paulo e do Mato Grosso do Sul voltados à fiscalização e à conservação de microbacias e parques.
“No que tange às áreas protegidas, a UHE Engenheiro Sérgio Motta faz a gestão de cerca de 42.000 hectares de Áreas de Preservação Permanente, onde estão previstas ações de recomposição florestal. Até o momento foram plantadas cerca de 8,8 milhões de árvores nativas. A Cesp possui ainda diversos programas socioambientais, incluindo ictiofauna, fauna, limnologia e a educação ambiental, bem como a comunicação dessas iniciativas”, informou a companhia ao G1.
Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, no distrito de Porto Primavera, em Rosana
Cesp
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