Ernesto e a opinião pública
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, percebeu, outro dia, no Congresso, que os que querem vê-lo ex-chanceler são muitos e influentes. Se antes acreditava ser alvo de meia dúzia de inconformados, percebeu agora, claramente, que boa parte da sociedade – isso é, da opinião pública – o considera incompetente e inadequado para continuar no comando do Itamaraty.
Ao não aproveitar a oportunidade de pedir demissão, deixada aberta pelos parlamentares, continuará nosso chanceler a fazer mal a si próprio, e o que é pior, ao Brasil, em momento sensível da pandemia e do quadro internacional.
A percepção que a sociedade brasileira formou da atuação de Ernesto Araújo não é de natureza a modificar-se com o passar do tempo, na medida em que os efeitos negativos sobre as áreas específicas de sua responsabilidade – política externa, comércio internacional – tendem a persistir e agravar-se com a simples presença do agente em questão.
O conceito de opinião pública tem, no seu uso comum, significado vago e impreciso, muitas vezes não passando de um estereótipo de que articulistas ou parlamentares lançam mão para reforçar os argumentos de seus escritos ou discursos. De fato, na vida real, a maior parte dos impulsos de opinião não se torna efetiva e se “dissolve”, em termos de visibilidade e relevância, na disputa por espaço (na mídia, na atenção da sociedade, na agenda do Congresso) com uma multiplicidade de outros impulsos – de opinião e de interesse – concorrentes.
Quando não adquire força suficiente para formar a cadeia de transmissão que impõe a mudança, isso é, quando não chega a adquirir expressão institucional, a opinião se manterá restrita apenas à sua esfera original, no campo da moral.
Mas quando, ao contrário, a expressão da opinião pública ganha consistência – seja por envolver objeto que produza forte impacto psicológico em grupos expressivos da sociedade, seja por envolver interesses de natureza concreta ou ideológica que, revestidos em linguagem apropriada possam produzir o mesmo tipo de impacto-, a cadeia de transmissão funciona.
Nesses casos, juízos que inicialmente se expressavam meramente na esfera dos valores, ao alcançarem visibilidade em sua transmissão (mídia), e, particularmente, ao serem apropriados por setores organizados da sociedade civil (associações, partidos), passam a representar inputs políticos.
Em síntese, nas democracias representativas e pluralistas contemporâneas, a opinião pública se expressa por intermédio da palavra (símbolos) e se desenvolve no campo dos valores. Sua função é a de promover o consenso ou o dissenso na esfera da sociedade civil, onde se articulam e se formam os processos de legitimação ou da deslegitimação da ação política.
No caso específico, formou-se consenso na esfera da sociedade civil quanto à inadequação da permanência do chanceler.
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