A partir da segunda metade da década de 1970, os setores agrícola e alimentar da China e do Brasil passaram, concomitantemente, por transformações de grande magnitude. De países sujeitos a frequentes situações de desabastecimentos passamos, em pouco menos de meio século, a grandes produtores de alimentos. E a cooperação bilateral vai tornar ainda mais relevantes as possibilidades que estão à nossa espera no cenário futuro global do agronegócio.
Na China, as grandes mudanças ocorreram sob Deng Xiao Ping (governou o país entre 1976 e 1997), responsável pela guinada que levou à abertura controlada da economia ao capital estrangeiro, privatizações e a criação de zonas econômicas especiais. Foi o período conhecido como “Salto Adiante”, e teve na reforma da agricultura um de seus principais pilares. O sucesso dessa etapa pode ser avaliado pelo aumento da renda per-capita chinesa, que entre 1976 e 2020 passou de 190 para 10.500 mil dólares.
No Brasil, a revolução agrícola tem também um nome a ser homenageado: o do ex-ministro da Agricultura (1974-1979) Alysson Paolinelli. Foi um dos fundadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola) – uma das melhores instituições pública do País – e promotor da revolução que transformou as áreas de Cerrado no celeiro do Brasil.
Paolinelli é forte candidato ao Prêmio Nobel da Paz 2021. Se lhe for concedida a homenagem, será a primeira atribuída a alguém da área de alimentos desde 1950. Quando em janeiro passado sua candidatura foi anunciada, disse, com modéstia: “ Sei que será difícil, mas sinto-me muito honrado de defender a bandeira da segurança alimentar aliada à sustentabilidade”.
Na China, a reforma do setor agrícola foi o primeiro passo de um processo geral de reformas, cujos resultados extraordinários mudaram a face do próprio país, onde em 45 anos a população urbana passou de 20% para cerca de 65% do total e 770 milhões de pessoas foram retiradas da faixa de pobreza. O resultado foi o aumento da demanda por alimentos de maior valor, com vegetais, frutas e produtos de origem animal.
Nesse mesmo período, o Brasil deixou de ser um país importador de alimentos para tornar-se um grande exportador. No limiar da nova era, a agricultura brasileira era ainda extremamente rudimentar: era absoluta a prevalência do trabalho braçal (apenas 2% das propriedades dispunham de máquinas agrícolas), ausentes a gestão moderna e os insumos para assegurar o aumento da produção. Faltavam no campo tecnologia e informação. Ainda em 1970, a produtividade do setor pecuário brasileiro estava entre as mais baixas do mundo.
Entre 1975 e 2020, a produção de grãos no Brasil cresceu sete vezes, saltando de 38 milhões de toneladas para 270 milhões, enquanto a área plantada apenas dobrou. Obteve-se no período notáveis ganhos de produtividade: 346% para o trigo, 270% para o milho, soja e feijão 100%. Na pecuária os avanços foram também notáveis, com o plantel bovino duplicando no período: hoje somos o segundo principal produtor e o primeiro exportador de carne bovina. Evolução igualmente significativa se observou na avicultura e na suinocultura.
O que fez mesmo a diferença para a obtenção desses resultados foram os investimentos em educação e pesquisa agrícola, a assertividade das políticas públicas e a competência dos agricultores. O caso da soja é exemplar. Surgiu no início da década de 1960, no sul do Brasil, e se achava própria para regiões frias. Levá-la para outras regiões foi um desafio, biológico e tecnológico, enfrentado vitoriosamente com o apoio da Embrapa, que consegui que os custos com fertilizantes nitrogenados fossem reduzido com uma nova tecnologia que fixou o nitrogênio do ar nas raízes das plantas por meio de bactérias.
Mas a expansão do consumo interno nos dois países, e o contínuo aumento da população mundial e da renda, em particular nos países em desenvolvimento, apontam para um forte crescimento da demanda nas décadas a seguir, colocando para os produtores brasileiros e chineses diante de grandes desafios nas áreas da produção, logística e comércio, num ambiente de sustentabilidade.
Comércio e investimentos tornaram China e Brasil parceiros estreitamente interligados no campo do agronegócio. A China é o principal mercado de produtos agrícolas brasileiros, absorvendo cerca de um terço dessas exportações. Os produtos agroalimentares respondem por metade do total das exportações brasileiras para a China.
O Brasil é, hoje, o principal fornecedor de alimentos para a China (cerca de 20% das importações chinesas), e ocupa o primeiro lugar nas vendas de produtos como a soja, carne bovina, aves, algodão, açúcar e celulose.
A China tornou-se, também, um investidor muito importante no agronegócio brasileiro.
Os vínculos entre os dois países, nessas áreas, delineiam potencial promissor nas áreas do comércio, investimentos, infraestrutura, inovação e sustentabilidade. Essas possibilidades são importantes diante dos desafios da segurança alimentar em um mundo onde aumentam tensões geopolíticas, ligadas ou não à pandemia.
O tema será desdobrado em artigos subsequentes.
Pedro Luiz Rodrigues foi Secretário de Imprensa da Presidência da República e Secretário de Relações Internacionais do Distrito Federal. É jornalista e embaixador, aposentado, da carreira diplomática.
Comentar