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BR-319: Ibama ainda tem dúvidas sobre liberar reconstrução do 'trecho do meio'

Órgão ambiental pediu complementações e esclarecimentos ao Dnit sobre novo estudo de impacto ambiental apresentado em agosto de 2020. Departamento diz que respostas solicitadas estarão prontas até o final de março. BR-319.
Divulgação/Observatório BR-319
A mais recente tentativa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de obter o licenciamento ambiental pra reconstruir a parte mais danificada da rodovia que liga Manaus a Porto Velho corre risco de fracassar (veja ponto a ponto das tentativas anteriores abaixo).
O quarto estudo entregue ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já foi analisado e devolvido ao Dnit para que apresente complementações e esclarecimentos, o que, segundo o departamento, será feito até o final de março deste ano.
Em agosto de 2020, o Dnit apresentou o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) com uma avaliação detalhada dos efeitos positivos e negativos que a obra pode causar ao meio ambiente e às comunidades na área de abrangência da estrada.
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O estudo também propõe ações para que os impactos sejam minimizados, evitados ou compensados. Esse levantamento foi realizado pela empresa Engespro Engenharia Ltda, contratada pelo Dnit, e contou com uma equipe técnica composta por mais de 150 profissionais como engenheiros, geólogos, biólogos, sociólogos, geógrafos, arqueólogos e auxiliares.
Assim como os estudos apresentados em 2008 e 2009 pra obter o licenciamento do trecho do meio, o atual também não está completo, segundo avaliação do Ibama. Por e-mail, o instituto informou à Rede Amazônica que “a análise do estudo foi concluída, sendo indicada a necessidade de complementações e esclarecimentos, que devem ser apresentados pelo Dnit”.
Procurado, o Dnit confirmou que “o Ibama solicitou esclarecimentos, conforme detalhado no parecer técnico (SEI IBAMA 9031197), que trata de apresentação de alternativas tecnológicas, compromissos e responsabilidades e algumas melhorias a serem incorporadas aos estudos ambientais com o intuito de que o empreendimento possa se desenvolver satisfatoriamente quanto ao grau de sucesso esperado para conter os impactos ambientais”. O departamento informou ainda que as respostas solicitadas devem ser concluídas até o final março.
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O trecho do meio da BR-319 tem 405 km de extensão, começa depois do Rio Igapó-Açu, no km 250, chegando até o entroncamento com a BR-230, no km 655, na altura de Humaitá. Trata-se da parte mais danificada da ligação AM/RO.
O problema voltou a ser evidenciado neste mês de janeiro, quando os hospitais de Manaus ficaram sem oxigênio por conta de um novo surto de Covid. Um comboio com 160 mil m³ do insumo foi enviado de Porto Velho e deveria chegar na capital amazonense em um dia e meio, mas demorou quatro dias.
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A reconstrução do segmento, que representa quase metade da rodovia, tem custo estimado em R$ 1,4 bilhão. A obra é considerada complexa por conta dos muitos cuidados que precisam ser adotados em relação à fauna, flora e comunidades locais, e também pra evitar que o asfalto fique alagado no período chuvoso.
Mais de 100 pontes precisam ser erguidas só nesta parte da BR, além de várias passagens aéreas e subterrâneas para animais. Em setembro de 2020, durante reunião virtual com governadores da Amazônia, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, reiterou a intenção do governo de tornar a rodovia ambientalmente viável.
“Nós temos que fazer da pavimentação da BR-319 um modelo de sustentabilidade e mostrar que é possível fazer pavimentação com sustentabilidade”, disse.
Em julho de 2019, quando esteve no Amazonas para a reunião do Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus, o próprio presidente da República já havia reforçado a promessa de campanha de tornar a ligação do estado com Rondônia novamente transitável. “Temos a certeza que a nossa BR-319 será asfaltada”, declarou Jair Bolsonaro.
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Rodovia intrafegável desde 1988
Inaugurada em 1976, a BR-319 podia ser percorrida de Manaus a Porto Velho em cerca de 12 horas, mas, por falta de manutenção, tornou-se praticamente intrafegável a partir de 1988. Nos governos FHC, Lula e Dilma (de 1995 a 2016), a recuperação da rodovia sempre esteve entre as obras de infraestrutura prioritárias.
Apesar disso, nunca foi efetivada por completo. O máximo que esses governos conseguiram foi realizar obras de repavimentação e conservação nas duas extremidades da estrada, no sentido Porto Velho (RO) – Humaitá (AM) e no sentido Manaus – Careiro, no Amazonas.
Enquanto isso, o trecho do meio recebeu apenas serviços paliativos pra tornar menos ruins as condições da parte mais deteriorada da rodovia, onde o asfalto sucumbiu à ação do tempo dando lugar a atoleiros, que dificultam e tornam perigosa a viagem de quem passa pelo local no inverno amazônico.
Caminhão e ônibus atolados na BR-319.
Sebastião Miotto/Arquivo Pessoal
BR-319 faz ligação de Porto Velho a Manaus.
Mary Porfiro/G1
Exigências ambientais
A determinação política de restabelecer a ligação rodoviária AM/RO começou a enfrentar resistências em 2005. Em outubro daquele ano, a 2ª Vara Federal do Amazonas decidiu que o caso da BR-319 não se tratava apenas de recuperação, mas também de reconstrução de trechos da estrada.
A decisão respaldou entendimento do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama de que o licenciamento ambiental era indispensável. Em 2007, Ibama e Dnit firmaram Termo de Acordo e Compromisso (TAC), que definiu a obrigatoriedade de aprovação de EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) para licenciar a reconstrução do trecho do meio (entre os km 250 e 655).
Já as obras de restauro e manutenção nos demais segmentos da rodovia puderam ser autorizadas sem a mesma exigência, desde que implementados programas ambientais.
Tentativas frustradas
Em setembro de 2008, o Dnit entregou ao Ibama a primeira versão do EIA/RIMA para o trecho do meio. O órgão ambiental reprovou o estudo por considerar que não atendeu o termo de referência e a metodologia de levantamento de fauna estabelecidos.
Em dezembro do mesmo ano, foi apresentada a segunda versão, mas novamente o estudo foi recusado.
Em fevereiro de 2009, o Dnit entregou a terceira versão do EIA/RIMA, que também acabou reprovada. Desta vez, o Ibama alegou que o estudo não continha subsídios capazes de garantir a viabilidade ambiental da obra.
Somente em 2013, o Dnit contratou empresa especializada pra elaborar as complementações exigidas pelo Ibama. Porém, divergências, desta vez com a Fundação Nacional do Índio (Funai), impediram o avanço do levantamento. Dnit e Funai não se entendiam sobre a quantidade de terras indígenas a serem consideradas num novo EIA/RIMA. A indefinição fez com que os estudos fossem retomados apenas em 2017. Retomada que culminou com a entrega do mais recente estudo em 2020, que já é alvo de questionamentos do Ibama.
Reações
O impasse envolvendo as tentativas de licenciar as obras do trecho do meio da 319 motivou diversas audiências públicas no Congresso Nacional. Em 2013, em debate no Senado, o então diretor-geral do Dnit, general Jorge Fraxe, questionou a necessidade de EIA/RIMA apenas para o trecho do meio.
“Nós não estamos falando de duplicação de rodovia, nós não estamos falando de aumento de capacidade, nós não estamos falando de nada disso. Nós estamos falando de reconstruir o que estava feito. Como é que as pontas estão asfaltadas e o meio não está e há um risco muito grande de asfaltar o meio? Onde é que está essa lógica? Queria entender essa lógica”, declarou Fraxe.
Em 2015 foi a vez do comandante do Exército na época, e ex-comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), general Eduardo Villas Bôas, cobrar a religação rodoviária do Amazonas com as outras regiões.
“Manaus é um epicentro da Amazônia. Daí nós entendermos a inconformidade da população do Amazonas e de Manaus em até hoje o estado não contar com uma rodovia que o ligue ao Centro-Sul do Brasil. Uma capital economicamente importantíssima que não se conecta ao restante do país”.
Mas o rigor ambiental, no caso de BR-319 é justificável, na opinião do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside. O cientista se diz contrário à reconstrução da rodovia e alega que “o impacto dessa (obra) é muito maior que o de outra, porque abre vasta área da floresta para o desmatamento”, avaliou.
Apelos do setor produtivo
Representantes da indústria e do comércio em Rondônia e Amazonas torcem para que os dois estados possam ser reconectados pela estrada.
Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO), Marcelo Thomé, “não há dúvida de que a interligação rodoviária, através da recuperação da BR-319, permitirá que os empresários de Rondônia acessem o mercado manauara em cerca de dez horas, fornecendo diversos produtos, que também pra população de Manaus será melhor, na medida em que o custo poderá ser reduzido e a qualidade aumentada, haja vista que diversos desses produtos hoje são transportados pra aquele estado por avião, vindo do Ceasa em São Paulo”, observou o dirigente.
Na mesma linha, o diretor da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Rondônia (Fecomércio – RO), Abraão Viana, defende que “nós temos que ter uma linha de escoação. E a BR-319 é essa via de acesso pra que nós possamos escoar os produtos que nós exportamos para o estado do Amazonas”.
Caminhão passa por trecho sem asfalto na BR-319.
Arquivo pessoal
Antônio Silva, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), projeta melhorias na logística de insumos que abastecem as fábricas da Zona Franca. “Qualquer insumo adquirido no sul, no sudeste do país, em três dias aqui estavam, o que diminuiria em muito o custo dessa logística do sul e do sudeste para Manaus”.
Já o superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus, Algacir Polsin, avalia que é possível compatibilizar a questão ambiental com o desenvolvimento econômico da região. “Eu não tenho dúvidas da questão ambiental, da sua importância e da sua preocupação. Mas o meio ambiente, nós temos condições de realizar uma série de ações para mitigar qualquer prejuízo”, defendeu.
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