Professores universitários, pesquisadores, economistas e um líder indígena também assinam o documento. Grupo denuncia a paralisação de milhões de reais do Fundo Amazônia, antes usados para proteção do bioma, avanço de mineração ilegal e desmatamento, entre outros. 5 de agosto – O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia do programa ‘Mais Luz para a Amazônia’, do Ministério de Minas e Energia, em Brasília
Adriano Machado/Reuters
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns enviou carta aberta às autoridades da Cúpula do Clima afirmando que, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter mudado de discurso sobre o meio ambiente recentemente, a política ambiental brasileira não mudou e seguem em curso ações que enfraquecem as leis ambientais e ameaçam as populações indígenas.
Pantanal em chamas, desmatamento recorde, Ibama sucateado e ministro na boiada’: 2020 no meio ambiente
VÍDEO: Cacique Raoni pede para presidente dos EUA ignorar Bolsonaro: ‘Tem dito muitas mentiras’
9 ex-ministros do Meio Ambiente pedem a líderes europeus que ajudem Amazônia ‘devastada’ por ‘dupla calamidade pública’
Assinada por ex-ministros dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva e por sociólogos, cientistas políticos, economistas e professores universitários, além do líder indígena Ailton Krenak, a carta cita como retrocessos no governo Bolsonaro:
Paralisação do Fundo Amazônia;
Afrouxamento das leis ambientais e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização
Ameaças de retirada do Brasil do Acordo de Paris
Incentivo às invasões de terras indígenas e de unidades de conservação ambiental, mineração ilegal e venda ilegal de madeira
Negação das mudanças climáticas
“Demonização” de ambientalistas e ativistas de direitos humanos
“Desdenho” das tradições culturais dos povos indígenas
O documento afirma que o governo atual representa uma ruptura nos esforços do Brasil na área ambiental promovidos desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro em 1992.
“Os avanços vêm sendo revertidos sob o governo do Sr. Jair Bolsonaro, que, por palavras e atos, estimula os agentes da devastação”, diz trecho da carta.
“Em lugar de expandir e robustecer as capacidades estatais, o governo, diante das críticas reiteradas, faz promessas vãs e toma medidas ineficazes. Apresentou o Plano Nacional para o Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa, documento sem metas claras, prazos ou ações definidas, que nunca saiu do papel. Criou o programa Verde Brasil, mobilizando militares sem experiência no combate a crimes ambientais, arriscando suas vidas e desperdiçando recursos públicos já escassos”, continua.
O G1 procurou a Presidência da República , mas o órgão não quis se pronunciar e passou a demanda para o Ministério do Meio Ambiente que, até a publicação da matéria, não retornou o contato.
‘Passar a boiada’ e enfraquecimento das leis ambientais
A carta denuncia o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama, e flexibilização das normas de proteção da floresta.
O grupo ainda lembra a reunião ministerial de abril do ano passado, em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs que se aproveitasse o fato de as atenções estarem voltadas à pandemia de coronavírus para flexibilizar medidas de proteção ambiental.
“Em sua linguagem peculiar, sugeriu que o governo fosse ‘passando a boiada’, ou seja, mudando as normas infralegais que não demandam aprovação do Congresso Nacional”, afirma o documento.
Governo muda normas e regulações ambientais sem passar pelo Congresso na pandemia
Em abril de 2020, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente anistiou proprietários rurais que desmataram e ocuparam essas áreas até julho de 2008. O governo só voltou atrás depois que o Ministério Público recorreu à Justiça.
Contudo, um levantamento do G1 mostrou que apenas três multas por desmatamento na Amazônia, entre as 938 autuações aplicadas em 2020 pelo Ibama, foram quitadas até outubro passado. Além disso, as autuações de crimes, consequência das fiscalizações em campo, despencaram 62% em comparação com 2019 – dados de janeiro a início de outubro do ano passado.
Na área do afrouxamento da legislação, um dos exemplos é o ato de 28 de julho do ano passado, que alterou a classificação de toxicidade de 47 agrotóxicos, considerando-os menos perigosos ou sem classificação.
Mineração em terras indígenas
“As propostas afrouxam regras de licenciamento ambiental, concessão de florestas, regularização fundiária, mineração em terras indígenas e impactam até o Estatuto do Índio”, diz outro trecho.
A carta se refere, entre outros Projetos de Lei do governo atual, ao PL 191/2020, assinado por Bolsonaro em fevereiro de 2020, que regulamenta a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas.
Um levantamento de novembro do G1 mostrou que, mesmo sem o PL 191/2020, o desmatamento causado pela atividade mineradora já registrou recordes e avançou sobre áreas de conservação e terras indígenas em 2019 e 2020.
Desmatamento causado por mineração por ano na Amazônia.
Arte/G1
Corte no orçamento
A carta ressalta que em 2021, o ministério do Meio Ambiente terá o menor orçamento em duas décadas e que o Fundo Amazônia está parado desde 2019.
O grupo se refere ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste ano, em que o governo destinou R$ 1,72 bilhão ao Ministério do Meio Ambiente. Na prática, o valor é o menor desde 2000 e resultará, em comparação com as verbas de 2020:
Em redução de 27,4% do orçamento destinado para fiscalização ambiental e combate de incêndios florestais
Em redução de 32,8% da verba destinada à criação, gestão e implementação de Unidades de Conservação
Paralisação do Fundo Amazônia
Quanto ao Fundo Amazônia, que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma, a carta se refere aos cerca de R$ 2,9 bilhões parados e sem atividade desde 2019.
Como justificativa da paralisação, Salles afirmou haver indícios de irregularidades nos contratos firmados com ONGs, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse a afirmação. Na ocasião, o ministro tentou mudar as regras do Fundo e anunciou a intenção de destinar os recursos captados para indenizar proprietários de terras.
Criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização, o Fundo Amazônia está parado desde abril de 2019, quando o governo Bolsonaro extinguiu os colegiados Comitê Orientador (COFA) e o Comitê Técnico (CTFA), que formavam a base do Fundo
7 polêmicas sobre o ministro Ricardo Salles
Segundo o Observatório do Clima, o desmatamento na região amazônica está em alta desde o início da paralisação do Fundo, com aumento de 34% em 2019 e de mais 34% nos alertas do Inpe em 2020.
Desmonte dos órgãos ambientais
Por fim, a carta cita as demissões e troca de funcionários de órgãos ligados ao monitoramento e controle dos desmatamentos nos biomas nacionais.
“(…) Revisou regulamentos, flexibilizou normas, revogou dispositivos legais, alterou a composição de órgãos públicos encarregados de monitoramento e aplicação de multas, substituiu chefias competentes por pessoas sem qualificação apropriada – quando não, por sócios da devastação–, perseguiu funcionários, reduziu o orçamento destinado ao meio ambiente”, diz a carta.
Em 2019, Ricardo Magnus Osório Galvão foi exonerado do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) após o órgão divulgar que os alertas do desmatamento registraram alta de 88% em junho e de 212% em julho daquele ano. Bolsonaro acusou o Inpe de mentir sobre os dados do desmatamento e Galvão de agir a “serviço de alguma ONG”. Logo em seguida, foi publicada a exoneração.
Quanto ao desmonte do Ibama, em agosto de 2020, mais de 400 servidores divulgaram uma carta aberta ao presidente do órgão alertando que a queda de 24% no número de fiscais do Ibama, entre 2018 e 2019, apontavam “para o colapso da gestão ambiental federal e estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia”.
O que é a Cúpula de Líderes sobre o clima
Nos dias 22 e 23 de abril, o presidente americano Joe Biden recepcionará 40 chefes de Estado, entre eles Bolsonaro, na Cúpula de Líderes sobre o clima. O evento será on-line, com transmissão ao vivo.
Outros convidados incluem a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e o presidente francês, Emmanuel Macron. Bolsonaro trocou críticas com ambos em 2019 sobre a Amazônia e sobre a paralisação do Fundo Amazônia.
Bolsonaro chega ao G20 e diz que Alemanha tem muito o que aprender com o Brasil
Também foi convidada a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, que, junto com Merkel e Macron, recebeu, em janeiro, um pedido de ajuda de 9 ex-ministros do Meio Ambiente brasileiros para a floresta. No texto, escrito pouco depois do colapso do sistema de saúde em Manaus, os ex-ministros disseram que a “Amazônia brasileira está sendo devastada neste momento por dupla calamidade pública, ambiental e de saúde”.
A intenção é que a Cúpula seja uma preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, prevista para acontecer de 1º a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia.
Comentar