Um grupo de moradores de Três Carneiros, no Recife, decidiu entrar com uma ação conjunta na Defensoria Pública contra a negativa do benefício. Outros reclamam da falta de informações e dos constantes erros no cadastro. Estudante mobiliza grupo de pessoas para pedir na Justiça revisão do auxílio emergencial
Mais de 106,1 milhões de brasileiros se cadastraram para receber o auxílio emergencial concedido pelo governo federal para minimizar o impacto da pandemia do novo coronavírus — já que muitos setores pararam. Nem todos que pleitaram o benefício, entretanto, conseguiram.
É o caso de alguns moradores de Três Carneiros Alto, comunidade do Ibura, na Zona Sul do Recife. Sem o auxílio-emergencial, eles vivem da ajuda de familiares e vizinhos. Outros, que foram contemplados, sobrevivem com a insuficiência de recursos para sustentar a família (veja vídeo acima).
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Aos 26 anos de idade, a vendedora autônoma Fernanda Tomas da Silva trabalha desde cedo. No entanto, ela, que sempre se virou entre a banca de roupas da mãe, no Centro do Recife, e pequenos empreendimentos que criou ao longo da vida, nunca teve carteira assinada e, portanto, qualquer direito trabalhista.
A possibilidade de ter um cadastro como Microempreendedor Individual (MEI) nunca passou pela cabeça, já que, sempre, a necessidade de sobreviver falou mais alto que a de se formalizar.
Entretanto, quando a pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio o comércio em Pernambuco, com o decreto para fechamento de todos os estabelecimentos não essenciais, desde 20 de março, a vida de Fernanda já tinha mudado, com a sazonalidade típica de quem trabalha com o setor de vendas. A possibilidade de receber o auxílio apareceu, tanto para ela quanto para o marido, que também está sem emprego, como uma esperança necessária, mas que nunca se concretizou para nenhum dos dois.
“Desde o primeiro dia, logo de manhã, eu me inscrevi. Fui negada duas vezes. Disseram que o CPF que eu coloquei era de uma pessoa que já tinha morrido. Com o do meu marido aconteceu a mesma coisa. Também disseram que não coloquei meu gênero e data de nascimento, mas o processo sequer teria ido para análise se isso tivesse acontecendo. Desde então, foram muitas idas e vindas”, declarou.
Fernanda teve o auxílio emergencial negado mais de uma vez
Reprodução/WhatsApp
No Grande Recife, foram inúmeras as filas em frente a agências da Caixa, que motivaram, inclusive, decisões judiciais para que o banco e o estado promovessem maneiras mais efetivas de organizar as aglomerações.
Aos montes, a maioria das pessoas procurava informação. Uma delas foi o marido de Fernanda, que se aventurou em uma das agências para sequer ter uma resposta, já que a instituição, para fins de auxílio-emergencial, está aberta apenas para o saque do benefício. Fernanda, mais receosa, decidiu tentar pelos canais digitais, como internet e por telefone, que é o recomendado pela Caixa.
“Eu sabia que, se fosse, não resolveria nada. Estou tentando ligar, mas sempre dá ocupado. Está sendo muito difícil, porque sempre tinha algo para fazer antes da pandemia. Na segunda vez que fui negado, disseram que havia alguém na minha casa que conseguiu o auxílio, e, por isso, eu não teria direito. Mas como, se só moramos eu e meu marido e ambos fomos negados? Já disseram, também, que meu nome estava no Cadastro Único. Outro erro. Já não sei mais o que fazer”, disse.
Luiza juntou um grupo de pessoas para entrar na Justiça contra negativa do auxílio emergencial
Reprodução/WhatsApp
Foram as constantes idas e vindas tentando conseguir o benefício que fizeram a estudante Luiza Carolina da Silva, de 25 anos, mobilizar um grupo de pessoas para entrar com uma ação na Justiça para tentar resolver o problema e, assim, viabilizar o benefício.
Eles discordam do parecer emitido sobre o cadastro e, diante da necessidade urgente dos recursos, para poderem sobreviver, requereram, na Defensoria Pública da União, a reavaliação do processo.
“Eu tive o auxílio negado, inicialmente. Alegaram que eu tinha sido eleita na votação de 2018, mas eu só saí candidata, e também que eu tinha trabalho formal. Eu gravei um vídeo e isso começou a sensibilizar um monte de gente que está na mesma situação. Tínhamos um grupo de 28 pessoas com problemas com o auxílio, mas algumas tiveram o problema resolvido no meio do caminho. No final, ficamos com 15 pessoas”, declarou.
Luiza, que tem uma filha de 6 anos de idade, morava numa casa cedida pela família, mas, em meio à pandemia, decidiu passar a quarentena na casa da mãe, para reduzir o impacto das medidas de restrição e da escassez de recursos na vida dela e da criança. Ela é beneficiária do Bolsa Família e, por estar no Cadastro Único (CadÚnico), achou que o processo seria mais simples.
“Meu último trabalho de carteira assinada foi como telemarketing, em 2015. Prestei serviço para uma ONG em 2020, mas não tinha vínculo nenhum. Como é que, além de eleita, eu sou, agora, trabalhadora formal? Eu e minha filha sempre vivemos com o auxílio de familiares. Vim para a casa da minha mãe porque, na casa em que vivíamos, seria muito mais desconfortável ficar com uma criança de 6 anos trancada em casa”, afirmou Luiza.
O grupo de trabalhadores recorreu ao Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, uma associação civil para fins não econômicos, que promove a defesa dos direitos humanos. De lá, eles entraram com uma ação na Defensoria Pública, onde o processo ainda corre.
Nesse meio tempo, ainda durante o trâmite do processo, Luiza teve o que chama de “feliz surpresa” de conseguir fazer o saque do auxílio. Entretanto, nem tudo ainda foi regularizado. “Eu fui tentar fazer o saque e o dinheiro saiu, mas no aplicativo ainda consta como se eu tivesse tido negado o benefício. Não sei como será nas próximas parcelas”, declarou.
Demissões, Bolsa Família negado e auxílio insuficiente
Juliana e o marido ficaram desempregados em 2019
Reprodução/WhatsApp
Juliana Cirilo, de 32 anos, não teve muitos problemas para conseguir o auxílio emergencial. Entretanto, ela e o marido, desempregados desde 2019, precisam complementar a renda do benefício para que as contas fechem em casa. Desde então ela, que tem uma bebê de 1 ano e 7 meses, tenta inclusão no Bolsa Família, sem sucesso.
“Eu trabalhava como operadora de telemarketing, mas tive que sair porque não deu para conciliar o cuidado com minha filha e o trabalho. Aí, só meu marido passou a ter renda, mas desde 2019 ele está sem nada formal. O que acontece é alguns ‘bicos’, mas, diante da situação atual, o auxílio foi essencial”, disse.
Por ter sido ela mesma contemplada com o benefício, o marido de Juliana não teve direito ao auxílio emergencial.
“Nós estamos recebendo ajuda da minha sogra, da minha família. Estamos pondo o pé no freio em tudo, prezando o principal, que é a alimentação, com o básico. A vida, de fato, não está sendo a mesma que antes. Eu tentei inscrição no Bolsa Família, mas me disseram que não tinha mais inclusão, por causa das crises do governo federal”, declarou.
Ibura
Localizado na Zona Sul da cidade, o Ibura é um dos bairros mais populosos da cidade e fica localizado no limite com Jaboatão dos Guararapes. Numa área de morros, o Ibura tem inúmeras escadarias, que dão acesso às várias comunidades localizadas dentro do bairro, entre elas a de Três Carneiros Alto.
População: 50.617 pessoas.
Localização: Na Zona Sul do Recife, em uma área de morros
Origem: Até o século 19, o território era sede do Engenho Ibura, quando parou de moer cana-de-açúcar e, nos seus arredores, se consolidou o bairro. Por ser, no início do século 20, predominantemente área de mata, o local servia como campo de pouso para aeronaves oficiais e, nos seus arredores, nasceu o Aeroporto do Recife. A ocupação ocorreu de forma mais acelerada com as construções da Companhia de Habitação (Cohab), que dá nome a uma de suas comunidade, e a criação das Unidades Residenciais (URs), criadas para famílias desabrigadas da cheia de 1966, que atingiu todo o Recife. A origem do nome é tupi e significa “fonte de água”.
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