Ideia é transformar a agroexportadora Vicentín em uma empresa mista, com 51% do capital estatal e 49% privado. Argentina entra oficialmente em moratória
A decisão do governo de Alberto Fernández de expropriar a Vicentín, uma das grandes empresas de agroexportação da Argentina, revive os temores entre empresários e investidores. Destaca-se o momento do país, que tenta reestruturar US$ 66 bilhões de dívidas com credores estrangeiros.
Quarto maior vendedor de cereais e óleos da Argentina, com um faturamento anual de cerca de US$ 3 bilhões, a empresa quase centenária declarou falência. A convocação de credores ficou para dezembro e sua dívida é de cerca de US$ 1,3 bilhões.
Na segunda-feira (8), Fernández anunciou a intervenção por decreto da empresa e a intenção do governo de expropriá-la por meio de uma uma lei que precisa ser aprovada pelo Congresso.
A ideia é transformá-la em uma empresa mista, com 51% do capital estatal e 49% privado, além de evitar que seja adquirida por uma empresa estrangeira. A medida gerou polêmica.
“Não estamos expropriando uma empresa próspera, estamos expropriando uma empresa falida”, justificou o presidente, afirmando que se trata de resgatar uma empresa com mais de 2 mil funcionários e 2,6 mil produtores.
“O Estado tem um papel que é garantir a presença de capitais nacionais. Quem me conhece sabe que acredito em um capitalismo mais justo, mas que acredito no capitalismo”, afirmou Fernández.
Suspeitas
Para o analista político Carlos Fara, a decisão de desapropriar “desencadeia todos os tipos de suspeitas ideológicas e também do ponto de vista da transparência”.
De acordo com Gustavo Sutter Schneider, das Confederações Rurais da Argentina, “isso causa perda de segurança do investimento”. “Não gostamos que esses caminhos sejam tomados, não importa o quanto as bandeiras do bem comum sejam erguidas”, disse.
A Argentina já passou por um período de nacionalização de empresas privadas. Foi durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015), nos quais Fernández atuou como chefe de gabinete por cinco anos.
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Essas empresas incluem a Aerolineas Argentinas e a Aguas y Saneamientos Argentinos (Aysa), que foram processadas perante o ICSID, o tribunal de arbitragem do Banco Mundial. Um processo ainda está pendente em Nova York pela nacionalização em 2012 da Yacimientos Petroliferos Argentinos (YPF).
No caso da Vicentín, por ser uma empresa argentina, não haveria um processo nos tribunais internacionais. Mesmo assim o economista Héctor Rubini considera que o momento não é o melhor para esse tipo de medida.
“Gera um alerta aos investidores e aos advogados dos investidores de títulos. Um detentor de títulos pode perguntar como a Argentina diz que não tem dinheiro para pagá-lo, mas tem a oportunidade de adquirir a Vicentín, que em caso de ativos negativos aumentará a dívida do país”, explica Rubini.
Inadimplente desde maio, a Argentina fixou esta sexta-feira (12) como o prazo para acordar um swap com seus credores por títulos emitidos de acordo com a lei estrangeira.
Setor estratégico
A intervenção e expropriação ocorre no setor estratégico do agronegócio, principal fonte de divisas para a Argentina, em meio a uma recessão de mais de dois anos e à pandemia de coronavírus que castigará ainda mais a economia do país.
A Sociedad Rural San Pedro, que reúne os produtores agrícolas que mais confrontaram a ex-presidente e agora vice-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), reagiu com duras críticas ao projeto oficial.
“Em um país democrático, uma desapropriação não faz sentido, e menos ainda quando um processo preventivo (judicial) está em andamento, no qual o próprio Estado, através do Banco Nación, é mais um credor”, afirmou o grupo.
“A foto para o mundo não pode ser pior: um Estado falido, que não pode resolver sua própria falência, tentando consertar com recursos que não tem um negócio que exige centenas de milhões de dólares”, criticou.
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