Especialistas ouvidos pelos G1 explicam que pequenas mudanças, como trocar o carro particular pelo transporte coletivo, podem trazer impacto positivo. Garota segura cartaz que diz “vamos parar as mudanças climáticas” em um protesto pelo clima nesta sexta-feira (24) em Bogotá, Colômbia.
Luisa Gonzalez/Reuters
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) publicado nesta segunda-feira (9) mostrou que o papel da influência humana no aquecimento do planeta é inequívoco e inquestionável.
A meta do IPCC é limitar o alta da temperatura a 1,5°C: atualmente, esse número já subiu cerca de 1°C e eventos extremos do clima já afetam todo o globo. Embora governos e empresas tenham papéis fundamentais na mitigação da emissão de gases de efeito estufa, especialistas ouvidos pelos G1 apontam que a soma de ações individuais também pode efetivamente ajudar a diminuir o impacto do aquecimento global.
Isso porque todo ser humano está envolvido em atividades que emitem, direta ou indiretamente, gases do efeito estufa no seu dia a dia. Os pesquisadores deram para isso o nome de pegada de carbono: medida de cálculo equivalente à emissão na atmosfera por pessoa ou entidade.
Países mais ricos têm uma média maior de emissão: nos EUA, uma pessoa emite 16 toneladas de gases de efeito estufa, enquanto a média global é de cerca de quatro toneladas. Para evitar um aumento de 2ºC na temperatura, os cientistas dizem que é preciso diminuir essa média para duas toneladas, de acordo com organização Nature Conservancy.
Com a ressalva de que não é possível sugerir as mesmas posturas para pessoas de diferentes classes de renda, especialistas alertam que a maioria das oportunidades para diminuir nossa pegada de carbono estão nas boas escolhas no uso dos meios de transporte (evitar o uso do automóvel e de viagens de avião) e na mudança da alimentação (diminuir o consumo de carne).
“As ações de empresas e governos dependem das ações das pessoas. As pessoas têm poder por meio de suas escolhas, seja para se deslocar para as suas casas, seja para cozinhar ou para a produção de alimentos. É claro que uma pessoa só não faz a diferença, mas o conjunto faz”, explica Sérgio Margulis, doutor em economia ambiental e autor do livro “Mudanças do clima: tudo que você queria e não queria saber”.
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Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, defende que “ações individuais podem impactar positivamente” na crise climática.
Além da necessidade de novas políticas públicas que reorientem as emissões, especialistas defendem a mudança nos padrões de consumo porque o primeiro grande impacto do homem na emissões de gases surgiu com a Revolução Industrial, que ocorreu na segunda metade do século 18 e ainda molda nosso modo de vida responsável por extrair da natureza mais recursos do que a Terra tem a oferecer.
Reduzir o consumo de carne vermelha
A atividade rural é responsável por uma grande fatia das emissões de carbono no Brasil. Somando mudança de uso da terra (desmatamento) e o setor da agropecuária, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) concluiu que a atividade rural, direta ou indiretamente, responde por cerca de 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa.
A agropecuária sozinha responde por 28% das emissões, sendo que parcela importante vem da fermentação entérica nos bovinos, processo que emite metano.
Para chegar a esse percentual, os pesquisadores levaram em conta as emissões realizadas para promover o desmatamento para pastagem, a adubação, o metano emitido pelo gado e o transporte dos produtos.
De acordo com os especialistas, a recomendação de reduzir o consumo de carne vermelha é um modo do cidadão, como consumidor, não incentivar ou gerar demanda para o setor.
Menos carros, mais ônibus e bicicletas
“O transporte coletivo é a melhor opção para reduzir emissões e poluição do ar nas cidades, quando se computa a relação passageiro/quilômetro”, explica Araújo.
Isso acontece porque um ônibus, por exemplo, pode transportar até 48 pessoas sentadas, enquanto que um carro particular leva, no máximo, até cinco passageiros. Desse modo, as emissões de carbono se tornam menores quando as pessoas utilizam transporte público ou compartilhado.
Há ainda outros meios transporte que não emitem gases na atmosfera, como o uso de bicicleta, patins, skate ou mesmo a caminhada.
Consumir produtos locais e certificados
Além de estimular a economia local, o consumo de produtos locais reduz as emissões de carbono gastas no transporte dos produtos. Outra dica é dar preferência para o consumo de produtos com certificação de que a empresa produtora respeita às questões ambientais nos processos de geração de seus produtos, desde a matéria-prima até a disposição de seus resíduos.
Reciclar produtos e materiais
Não subestime a reciclagem. Segundo Araújo, a lógica da economia circular reduz muito a pressão sobre os recursos ambientais e também os processos que emitem gases de efeito estufa, uma vez que não há a necessidade de extração de recursos naturais para a fabricação de novos produtos.
Participação política
Segundo Araújo, as ações individuais são importantes, mas devem estar focadas não só na prática individual, mas também na cobrança e fiscalização para que as empresas e o poder público sigam a mesma agenda.
“Há vários caminhos com impacto relevante. Mas os maiores efeitos virão dos cidadãos exigindo mudanças, ações efetivas, de seus governos. No Brasil, por exemplo, o governo gerou a explosão do desmatamento, erra na política energética, nega a contribuição humana para as mudanças climáticas. Os cidadãos precisam entender a gravidade disso tudo e cobrar com vigor a reversão desse quadro”, afirma Araújo.
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A questão da pobreza
Margulis explica que é preciso cautela no discurso quanto à redução de consumo.
“Quando a gente fala que cabem às pessoas a conscientização e a redução das emissões, nós estamos falando, evidentemente, de pessoas que têm acesso a produtos, alimentos e serviços em um nível adequado e isso difere para pessoas de diferentes classes de renda”, explica.
O pedido, segundo ele, é endereçado especialmente às pessoas de renda alta.
“Não tem como pedir para que pessoas pobres diminuam seu consumo. Muitas vezes, inclusive, elas estão abaixo da linha de consumo necessária. Não é para esse grupo que estamos pedindo a diminuição das emissões”, esclarece Margulis.
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