Superação e medalhas em Tóquio renderam a brasileiros muitos seguidores nas mídias sociais e, agora, eles têm uma nova forma de conseguir apoios e patrocínios para financiar suas carreiras. Depois de bronze em Tóquio, Alison Santos passou de 7 mil para 178 mil seguidores no Instagram
Reuters
Na Olimpíada de Tóquio, Alison dos Santos conquistou o bronze nos 400 metros com barreiras, mas, no Instagram, ele foi campeão.
Seu número de seguidores deu um salto de quase 2.500%, passando de 7 mil para 178 mil — proporcionalmente, nenhum outro atleta brasileiro cresceu tanto quanto ele nesta rede.
“No atletismo, quem tem mais de 100 mil seguidores é um gigante”, atesta Fatima Pissarra, presidente da Mynd, agência de marketing e influência digital.
Piu, como Alison é mais conhecido, está em boa companhia no pelotão dos atletas que mais bombaram em Tóquio nas redes sociais.
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Ítalo Ferreira, ouro no surfe, tem 2,9 milhões de seguidores no Instagram, quase três vezes o que tinha antes dos Jogos. Kelvin Hoefler, prata no skate street, quase quadruplicou, para 890 mil.
Rebeca Andrade, dona de um ouro e uma prata, tinha pouco mais de 230 mil. Agora, são 2,5 milhões.
Mas ninguém ganhou mais seguidores no que a “fadinha” Rayssa Leal, prata no skate street. Ela voltou da Olimpíada com 6 milhões de seguidores a mais.
“Eles explodiram”, diz Pissarra, que tem no seu elenco Douglas Souza, que virou na Olimpíada o jogador de vôlei mais seguido no Instagram no mundo.
Com os vídeos engraçados e sem medo em escancarar que é gay, Douglas virou a estrela da Olimpíada dos influenciadores.
“De onde está saindo esse povo?”, ele perguntou quando bateu 1 milhão. Hoje, são 3,1 milhões — e contando.
“Ele fez sucesso porque é superautêntico. Ele subiu na cama da Vila Olímpica, desfilou na quadra. E a gente não estava acostumado a isso. Todo mundo queria ver um atleta ‘vida real”, avalia Pissarra.
Douglas Souza voltou de Tóquio sem medalha, mas com milhões de seguidores
Reprodução/Instagram
Capitalizando o sucesso nas redes
Assim, depois dos Jogos, que são normalmente uma vitrine para esportes que raramente (ou nunca) passam na televisão, surgiu um jeito de atletas se manterem em alta, conquistarem patrocínios e terem novas formas de ganhar dinheiro com as redes sociais de olho na Olimpíada de Paris, em 2024.
Isso cria uma oportunidade para a grande maioria dos atletas que sofrem bastante para conseguir patrocínios — tanto que 41 brasileiros que foram a Tóquio tiveram de fazer vaquinhas para se financiar.
“Em Tóquio, só pouco mais da metade dos atletas brasileiros tinha patrocínio. Agora, eles podem não só vender patrocínios, mas participar de ações, vender posts…”, afirma Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports, agência de marketing esportivo.
Os valores que cada atleta pode ganhar variam bastante, é claro, de acordo com a modalidade e sua popularidade dentro e fora das redes.
Mas uma celebridade esportiva pode faturar entre R$ 50 mil e R$ 100 mil com um post em rede social. Isso representa de 16 a 32 vezes o que um atleta olímpico ganha por mês com a bolsa do governo federal de R$ 3,1 mil.
Atletas como Darlan Romani, quarto lugar no arremesso de peso, que podiam ganhar entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por mês com um patrocínio antes da Olimpíada, têm a chance de ver esses valores serem multiplicados em até dez vezes conforme seu desempenho.
São números que ainda ficam bem longe dos valores estratosféricos de estrelas globais como o surfista Gabriel Medina e o jogador de futebol Neymar — nestes casos, um patrocínio anual ou uma campanha podem custar R$ 4 milhões para uma marca.
Mas o que seria um valor modesto para alguns pode transformar a vida de outros, como Darlan, que chegou a improvisar treinos em um terreno baldio para se preparar para Tóquio.
Isso sem falar nas campanhas publicitárias, que podem render, por exemplo, R$ 300 mil a R$ 400 mil para uma atleta como Rebeca Andrade se ela estrelar os comerciais de uma marca de beleza.
Valor de patrocínio de atletas como Rebeca Andrade pode dar um salto após os Jogos
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Para chamar a atenção de uma marca, ter menos de 50 mil seguidores “é pouco”, diz Fátima Pissarra, da Mynd. “A partir de 50, 60 mil, já dá para começar a trabalhar para crescer.”
Mas não há um número mágico para saber quem é um influenciador de sucesso, diz a executiva. Isso varia de esporte para esporte.
“A Mayra Aguiar tem 240 mil, é bom para o judô. Mas, se no vôlei tiver 15 pessoas com 1 milhão, uma pessoa com 50 mil não se destaca.”
Pissarra diz que antes “tinha que cavucar” para achar atleta com muitos seguidores. “Eram poucos. Com mais de 1 milhão então, era dificílimo. Mas isso está mudando, e acho que esse boom vai abrir os olhos das marcas.”
Wolff acredita que a Olimpíada foi um divisor de águas no uso das mídias sociais pelos atletas.
“Há um antes e um depois de Tóquio. Eles perceberam que eles são criadores de conteúdo e que têm histórias únicas para contar. Se tiverem números expressivos, não precisam mais depender da visibilidade da TV. Só depende deles mesmos”, diz.
Tóquio, uma fábrica de influenciadores
Nos Jogos sem público, do outro lado do mundo e com um fuso horário ingrato, os brasileiros correram para a internet e para as redes sociais dos atletas.
A competição ocorreu em plena pandemia, quando o mundo digital já tinha virado para muita gente uma válvula de escape para as restrições de circulação. Os Jogos foram a atração perfeita.
“Houve um aumento de 30% no interesse dos internautas brasileiros nas Olimpíadas em comparação com a edição passada”, diz Arthur Bernardo Neto, diretor de desenvolvimento de novos negócios da Ibope Repucom, empresa de pesquisa especializada no mercado esportivo.
As redes sociais também mudaram desde a Rio 2016. O Facebook, por exemplo, ganhou 1 bilhão de usuários.
O Instagram dobrou de tamanho — tinha na época “só” 500 milhões de usuários. E os stories — posts que desaparecem em 24 horas e um dos principais apelos da rede hoje — haviam acabado de ser lançados.
Rayssa Leal foi a atleta brasileira que mais ganhou seguidores no Instagram
Reprodução/Instagram
O TikTok, rede social de vídeos curtos imensamente popular entre jovens, sequer existia.
Tudo isso fez com que a Olimpíada de Tóquio virasse uma fábrica de influenciadores, transformando atletas nas celebridades do momento, e, com suas histórias de superação ou desempenho, eles conquistaram muitos fãs nas redes sociais.
Nem foi preciso ganhar medalha para isso. Douglas Souza é um exemplo (a seleção de vôlei masculina perdeu o bronze para a Argentina). Darlan é outro: tinha pouco mais de 10 mil antes dos Jogos e, hoje, são 470 mil.
A skatista Letícia Bufoni e a ginasta Flávia Saraiva voltaram sem pódio, mas com 150% mais seguidores no Instagram.
Um desafio para os atletas
Os influenciadores são hoje uma alternativa de marketing bastante efetiva e bem mais barata do que a publicidade tradicional.
As marcas estão sempre prospectando novos nomes para se associar e que podem ajudar com sua imagem e seus negócios. O grande objetivo é ser o primeiro a trabalhar com alguém que fica em evidência.
Um desafio para os atletas é aprender a ser influenciador, diz Ivan Martinho, professor de Marketing Esportivo da ESPM. O atleta precisa adquirir essa competência, segundo ele, porque ela passou a ser tão importante quanto o seu treino.
É uma forma de manter o público que conquistou e atrair as marcas desde agora e não só quando estiver em exposição em Paris. “Precisa fazer desse trabalho um terceiro turno”, diz Martinho.
O melhor a fazer é profissionalizar a presença digital, diz Mônica Esperidião, consultora em gestão e marketing esportivo. “Eles precisam entender que eles são um produto e que as redes sociais são sua ferramenta de trabalho.”
Esperidião reconhece no entanto que para muitos atletas brasileiros falta dinheiro até para conseguir treinar, ainda mais para contratar quem os ajude a fazer isso.
“Nesses casos, a federação de cada esporte pode ajudar. A federação é mais forte do que o atleta sozinho, e está sempre olhando para os seus talentos para ajudar a construir sua imagem. Ela pode fazer uma marca enxergar um atleta, e aí as coisas começam a se mover.”
Olimpíadas em alta
Os atletas têm a seu favor o fato que os brasileiros parecem gostar bastante das Olimpíadas. Uma medida disso está no número de seguidores que os comitês olímpico e paralímpico brasileiro têm nas redes sociais, diz Arthur Bernardo Neto, da Ibope Repucom.
“O Brasil é vice-líder no mundo. Isso significa que tem um grande potencial de exposição para os influenciadores”, avalia Neto.
Além disso, a popularidade dos Jogos vem numa crescente. “Diria que até 2016, o interesse estava chegando num nível médio. Em 2016, chamou a atenção de vez do brasileiro e, com os resultados históricos de Tóquio, está passando de médio para alto.”
Outra vantagem do ciclo olímpico que começa agora é que ele vai ser mais curto por causa da pandemia.
Os Jogos de Tóquio tiveram de ser adiados em um ano, e agora faltam só três para Paris em vez dos quatro anos que normalmente separam as edições. “Diminuiu a janela de esquecimento”, diz Martinho.
Ainda assim, as marcas não funcionam em termos de ciclos olímpicos. Elas trabalham com metas e orçamentos anuais.
As empresas querem um retorno mais imediato, e seus executivos, resultados que garantam os seus bônus e os ajudem em suas carreiras.
Por isso, ainda são poucos os atletas que conseguem algo além de apoios pontuais ou contratos que duram mais do que alguns meses.
Mas agora a situação é um pouco diferente, porque os atletas têm nas redes sociais uma forma de se manter em evidência por conta própria e um jeito de dar às marcas a exposição que elas procuram fora do calendário das competições.
Com os resultados históricos do Brasil em Tóquio, é hora de aproveitar essa janela de oportunidade, se valorizar, cobrando o que é justo e, preferencialmente, optar por contratos mais longos, diz Martinho: “No relacionamento com as marcas, não é hora de ficar, é hora de casar”.
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