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Meio Ambiente

Amazônia: mapeamento inédito identifica 2,7 mil projetos de restauração

Publicação traz recomendações para ampliar iniciativas que podem reconstruir floresta e gerar renda. A foto mostra um Sistema Agroflorestal dentro da reserva Chico Mendes, no estado do Acre, e, ao fundo, uma floresta
Flávio Forner/Divulgação
Enquanto de um lado avança o desmatamento na Amazônia, de outro 2.773 projetos promovem hoje no Brasil a restauração da maior floresta tropical do mundo, mas cobrindo ainda uma área ínfima dos milhões de hectares com potencial para serem recuperados.
São iniciativas tocadas por organizações da sociedade civil, empresas, agricultores, instituições de pesquisa e governos que foram mapeadas pela primeira vez pela Aliança pela Restauração na Amazônia, em documento lançado nesta quarta-feira (09/12) e antecipado à BBC News Brasil.
É o caso do projeto Café Apuí, no Amazonas, em que 59 famílias produzem café orgânico em 33 hectares de sistemas agroflorestais — método de cultivo em que coexistem na mesma área o cultivo agrícola e outras vegetações.
A iniciativa, que já plantou 32 mil árvores, recuperou antigos cafezais que estavam abandonados por baixa produtividade devido a degradação do solo. A melhor qualidade do café produzido sob a sombra da vegetação mais alta replantada permitiu um aumento de 300% da renda das famílias envolvidas, destaca a publicação.
Os 2.773 projetos mapeados, no entanto, cobrem 113,5 mil hectares, uma pequena área frente ao acelerado ritmo de destruição da floresta. Apenas entre agosto de 2019 e julho de 2020, foram desmatados 1,1 milhão de hectares da Amazônia (alta de 9,5% ante os doze meses anteriores), segundo dados oficiais preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — cada hectare equivale a aproximadamente um campo profissional de futebol.
Por isso, a publicação traz dez recomendações para que a restauração ganhe escala no Brasil, ao mesmo tempo que alerta que esses projetos não substituem a preservação da floresta ainda de pé, com o combate ao desmatamento, que é majoritariamente ilegal na Amazônia.
Segundo Danielle Celentano, secretária executiva da Aliança pela Restauração na Amazônia, a recuperação da floresta e o combate ao desmatamento são estratégias que caminham juntas para evitar que a Amazônia chegue ao “ponto de não retorno” (tipping point, em inglês), um patamar de destruição em que a floresta perderia a capacidade de se regenerar e haveria mudanças drásticas e permanentes do ecossistema (como redução das chuva e aumento da seca).
Cientistas como Carlos Nobre calculam que esse ponto irreversível deve ocorrer quando o desmatamento atingir algo entre 20% a 25% da floresta original. Em entrevista à BBC News Brasil em setembro, ele disse que já foi perdido de 16% a 17% da floresta, e que o “ponto de não retorno” será atingido no intervalo de 15 a 30 anos, permanecendo a taxa de desmatamento atual.
O plantio de mudas também é uma das técnicas usadas para a restauração de paisagens florestais
Ecoporé-RO/Divulgação
“A Amazônia está chegando perto do tipping point. Então, é agora ou nunca: tem que parar de desmatar e recuperar o passivo (o que foi desmatado ilegalmente), promovendo uma nova economia de base florestal”, afirma Celentano, que é também gerente sênior de restauração de paisagens florestais da Conservação Internacional, uma das 80 instituições que integram a Aliança pela Restauração.
Ela ressalta que uma das formas de ampliar a recuperação da Amazônia é promover o cumprimento da lei. O Código Florestal, de 2012, estabeleceu que apenas 20% das propriedades na Amazônia podem ser desmatadas e determinou a restauração das áreas de floresta que foram suprimidas ilegalmente, mas o prazo para cumprimento tem sido sucessivamente adiado.
Segundo a publicação da Aliança, a área que deve ser recuperada por esses proprietários para legalizar suas terras é estimada em 8 milhões de hectares, sendo que 5 milhões são passíveis de serem restaurados (a diferença pode ser compensada através de outros mecanismos previstos na lei).
Sem o cumprimento da lei pelos donos de terra, a maioria das iniciativas de restauração são tocadas por organizações da sociedade civil (87,5% dos projetos mapeados). Em seguida estão empresas (5,6%), agricultores (3,8%), instituições de pesquisa (2,4%) e governos (0,7%).
São os projetos de empresas, porém, que respondem pela maior área em recuperação (52% do total). O levantamento mostra ainda que Rondônia concentra o maior número de iniciativas (1.658), mas responde por apenas 9% da área em restauração. Já o Pará concentra 49% da área total mapeada e Mato Grosso, 27%.
Floresta se recupera sozinha, mas é desmatada de novo
Os projetos mapeados cobrem uma diversidade de técnicas de restauração, que podem variar de acordo com o nível de degradação da área e a finalidade buscada com a recuperação.
O desmatamento acumulado da Amazônia é calculado em 80,3 milhões de hectares. Parte da floresta consegue se recuperar sozinha, quando a área destruída fica depois abandonada, mas essa vegetação secundária não tem a mesma riqueza de biodiversidade da mata nativa e é também mais vulnerável a ser novamente desmatada, destaca a publicação.
Estimativa do MapBiomas é de que, em 2018, 14,9 milhões de hectares da Amazônia estavam cobertos com vegetação secundária, mas o desmatamento nessas áreas têm sido, em média, 40% maior do que em florestas primárias.
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Reuters via BBC
Por isso, o documento da Aliança considera como área em restauração apenas os espaços de vegetação secundária que estão em “regeneração natural assistida”. Ou seja, que recebem interferência humana para evitar novos desmatamentos e aumentar a biodiversidade. Segundo o documento, há 147 projetos desse tipo, que cobrem 12% do território mapeado.
Já espaços com baixo potencial de regeneração natural demandam intervenções ativas, normalmente mais custosas, como o plantio de sementes e mudas. O levantamento identificou 734 iniciativas desse tipo, que cobrem a maior parte da área em restauração (59%).
A semeadura direta é uma forma mais barata, considerada promissora, mas ainda usada em pequena dimensão (são 185 projetos que cobrem 3% da área mapeada). Uma dessas técnicas, batizada de muvuca, consiste em plantar com máquinas agrícolas uma mistura de sementes agrícolas e florestais, de espécies de ciclo curto, médio e longo.
“Mistura de sementes nativas e de adubação verde com areia que forma um insumo homogêneo propício para a formação da estrutura da floresta, a muvuca consegue colocar o dobro ou até dez vezes mais árvores por hectare e com metade do custo do que seria um plantio com mudas”, diz o portal do Instituto Socioambiental, que usa a técnica em projetos de restauração em parceria com produtores rurais nas bacias dos rios Xingu e Araguaia, no Mato Grosso.
Restauração com produção para frear novos desmatamentos
A maioria das iniciativas, porém, é de sistemas agroflorestais (1.643 ou 59% do total, cobrindo 14% da área mapeada), técnica de restauração florestal produtiva que garante retorno econômico, servindo como instrumento importante para evitar novos desmatamentos.
Um desses projetos, o Cacau Floresta, envolve 250 famílias que desde 2013 já restauraram mais de 500 hectares da Amazônia nos municípios de São Félix do Xingu e Tucumã (Pará), cidades que estão no chamado Arco do Desmatamento (região com maiores taxas de destruição da floresta que engloba partes do Maranhão, Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre).
A iniciativa, que alia o cultivo de cacau com outras espécies nativas, recuperando áreas degradadas pela pecuária extensiva, é desenvolvido pela The Nature Conservancy (TNC) — organização que atua com preservação em mais de 60 países e também integra a Aliança pela Restauração na Amazônia.
Rodrigo Freire, vice-gerente de restauração florestal na TNC Brasil, explica que fazendas de gado só atingem maior rentabilidade com uso mais intensivo de tecnologia, o que é não é o caso de pequenos produtores da região do Arco do Desmatamento, onde o ganho anual por hectare com pecuária de corte varia de R$ 50 a R$ 200.
Projeto Cacau Floresta alia o cultivo de cacau com outras espécies nativas em seu sistema agroflorestal
Kevin Arnold/Divulgação
Segundo ele, o investimento para converter esses pastos em agrofloresta é de R$ 15 mil (sendo R$ 6 mil o valor da própria mão de obra) por hectare, investimento que costuma ser recuperado em quatro a cinco anos, usando inicialmente cultivos de ciclo mais curto, como milho, mandioca e banana. Depois, com o aumento da produção de cacau, produto de alto valor agregado vendido para a indústria de chocolate, é possível chegar a uma rentabilidade anual de R$ 7 mil a R$ 10 mil por hectare, diz.
“A partir do momento que o produtor viu mais rentabilidade naquela agrofloresta do que no pasto, ele abre a percepção também para a importância das árvores em pé e desses recursos ecológicos como umidade, água, fertilidade do solo (que são recuperados com a restauração da floresta)”, nota ele.
Freire reconhece que a agrofloresta é menos diversa que a mata nativa, podendo chegar a 50 espécies por hectare, ante mais de 140 por hectare na floresta original da Amazônia. Apesar disso, diz que a área restaurada consegue recuperar parte da biodiversidade e retomar “suas funções ecológicas, seus serviços ecossistêmicos”.
“Em área de pasto, quando tem chuva forte, a água escorre muito rápido pela superfície, causando assoreamento, o carregamento de nutrientes que são removidos do solo, pois a vegetação do pasto é muito rala, pouco profunda”, ressalta.
“Quando você abre espaço para uma agrofloresta, com muitas árvores, de diferentes espécies e alturas, volta a ter uma estrutura de floresta de proteção do solo. E as próprias folhas e galhos quando caem fazem com que o solo volte a ter fertilidade muito maior”, compara.
Essa recuperação da vegetação e do solo garante mais produtividade e contribui para a preservação das fontes de água da propriedade e da região. Além disso, a nova estrutura de floresta acaba atraindo novamente a fauna para a área antes degradada.
“Passarinhos, por exemplo, fazem ninhos nas copas do cacaueira. Também vemos a anta, maior mamífero terrestre nativo (do Brasil), voltando a ocupar o plantio de cacau, usando o sistema agroflorestal como refúgio de migração entre os fragmentos florestais locais”, conta.
Implementação da lei, mais crédito e compromisso do setor privado
Para que a restauração ganhe escala na Amazônia, a publicação diz que é preciso priorizar o cumprimento do Acordo de Paris, no qual o Brasil assumiu o compromisso em 2015 de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
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O monitoramento ecológico da restauração é feito periodicamente para garantir o sucesso. Na foto, a técnica usada foi regeneração natural assistida
UFRA-PA/Divulgação
O governo Jair Bolsonaro, porém, não tem dado andamento à Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), ferramenta criada em 2017 que traz diretrizes para alcançar essa meta.
O documento recomenda também que o os governos estaduais implementem os Programas de Regularização Ambiental (PRAs), previstos no Código Florestal, passo fundamental para que propriedades que desmataram mais de 20% na Amazônia recuperem a área destruída ilegalmente.
A publicação destaca ainda a necessidade de criar e regulamentar mecanismos de “pagamentos por serviços ambientais”, como o mercado de crédito de carbono, para que as áreas restauradas, que têm grande capacidade de capturar e armazenar carbono da atmosfera, possam gerar retorno aos proprietários.
Outra recomendação é o aumento das linhas de crédito para financiar esses projetos, assim como compromissos mais ambiciosos de empresas e bancos para não realizar negócios com fornecedores que não estão com suas propriedades legalmente restauradas.
“Sabemos que só a obrigatoriedade não motiva ninguém. Cumprir a lei deve ser o básico de qualquer sociedade coerente, responsável, mas precisa ter incentivos também (para os proprietários se regularizarem), principalmente quando boa parte dessa restauração florestal custa, exige investimento, trabalho, tecnologia e insumos”, afirma Rodrigo Freire.
“E faz parte da abordagem da restauração (ter) uma solução para o desmatamento. Não dá para desmatar em um lugar e ficar restaurando no outro. Vai ter perda de biodiversidade, não é isso que a gente quer”, reforçou.
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