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Alunos vão à Justiça contra norma da Poli-USP que limita estágio e dizem que regimento é 'elitista'

Estudantes afirmam que precisam trabalhar por questões financeiras, mas faculdade estabelece máximo de horas de estágio por semana. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo declarou que aluno precisa se dedicar às disciplinas e pode usar auxílio financeiro. Vista aérea da Escola Politécnica da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo
Divulgação/Poli-USP
Estudantes da faculdade de engenharia da Universidade de São Paulo (Escola Politécnica – USP) estão indo à Justiça contra regras que limitam a realização de estágio durante o curso. A instituição restringe o número de horas semanais de trabalho e também veta contratos de alunos que tenham mais de duas dependências (reprovações) em disciplinas do início da graduação.
Os jovens dizem que precisam do salário para se bancar e ajudar a família. Se não conseguem que a faculdade aprove o estágio, correm o risco de abandonar o ensino superior.
Além da via judicial, há quem se matricule em faculdades privadas, pagando mensalidades de aproximadamente R$ 200 (sem participar das aulas), apenas para que essas instituições particulares assinem o contrato.
Outros estudantes aceitam ofertas informais de emprego, mesmo que elas não contem como créditos de estágio obrigatório.
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A advogada Sara Bessa, mãe de uma aluna da Poli, passou a ser procurada por universitários que tiveram essa dificuldade na USP.
“No ano passado, em plena pandemia, uma aluna conseguiu uma vaga em uma empresa boa, com atividades na área do curso e um salário adequado.”
No entanto, segundo Bessa, como a jovem tinha um número de dependências maior do que o permitido, a USP não aceitou assinar o contrato.
“A estudante explicou que seria a única a ganhar dinheiro em casa – a família dela precisava de ajuda. Mas a universidade respondeu que, se ela estivesse com problemas financeiros, deveria deixar a faculdade por um período, e, depois, retomá-la.”
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Celso Tavares/G1
Para a advogada, impor critérios tão rígidos torna a Poli “elitizada”. “Quando o aluno não tem condições financeiras e necessita do estágio, vai procurar ajuda do setor acadêmico e escuta algo desse tipo, o que faz?”, questiona.
Ao G1, a Poli afirma que “a possibilidade de realização de estágio se confunde com a questão socioeconômica individual” e que não pode “prejudicar o bom andamento do curso e o processo de formação desses estudantes”.
Para a instituição, é importante que o aluno tenha tempo livre para se dedicar às disciplinas. Os auxílios estudantis, segundo a faculdade, são suficientes para amparar os mais vulneráveis (leia mais ao longo da reportagem).
De acordo com os estudantes, no entanto, os benefícios pagos pela USP aos mais pobres (como bolsa moradia ou cartões de alimentação) não bastam, e os critérios de aprovação de estágio são incompatíveis com a realidade.
Sara Bessa também argumenta que “o estatuto da Poli não pode ter um peso maior que a Lei de Estágio, que não coloca tantas limitações”.
A universidade, por outro lado, diz que a legislação permite que as instituições de ensino “elaborem normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos”.
Pelo regulamento, a Poli-USP recusa propostas nos seguintes casos:
alunos com mais de “duas dependências” (ou seja, reprovações) em disciplinas do início do curso;
estudantes no semestre “inadequado” para a realização de estágios (estariam no quarto, por exemplo, mas só poderiam trabalhar no quinto);
exigência de um número de horas semanais na empresa acima do permitido.
Esse último item foi o obstáculo para Luan*, ex-aluno de escola pública. Ele tem 5 irmãos e relata que precisa auxiliar a mãe (vendedora de bolos) e a avó (manicure), que perderam renda na pandemia.
No nono semestre da faculdade, o estudante conseguiu um estágio em uma multinacional de tecnologia, mas a USP não aceitava assinar o contrato – afirmava que a carga horária de trabalho estava acima do permitido pelo regulamento interno.
Depois de Luan dizer que, sem o emprego, a situação financeira da família se agravaria, a instituição abriu uma exceção: autorizou que ele trabalhasse na empresa, desde que trancasse pelo menos duas disciplinas do curso.
“Isso atrasaria a conclusão da faculdade, e eu não conseguiria me formar em 2022. Só que preciso terminar [a graduação] logo para ser efetivado no trabalho e ganhar melhor”, diz o jovem.
Ele, então, decidiu se matricular em uma faculdade particular com mensalidade de R$ 130 – para fazer um curso à distância junto com o da USP.
“É um dinheiro jogado no lixo, porque não entro nas aulas, mas pelo menos é uma instituição que aceita assinar meu contrato de estágio”
“Há uma insensibilidade total. A USP não enxerga o trabalho como forma de o aluno se manter na faculdade. Não adianta ter essas ‘bolsas miséria’: o auxílio moradia de R$ 400, em São Paulo, não te deixa morar em lugar nenhum.”
Luan chegou a viver na residência estudantil da universidade (Crusp) e a fazer trabalhos internos para ter um benefício de mais R$ 400. Só que, para ajudar a família, ele precisava de um valor mais alto.
Antes de ser chamado para a multinacional, conseguiu um emprego “por fora”, sem contrato, como pessoa jurídica.
Mas era uma vaga de home office, e, no Crusp, não havia sinal de internet. “Tive de sair e procurar outro lugar. Aluguei um quartinho em uma casa com mais de 50 pessoas. Ainda assim, custava R$ 550.”
‘Estágio é ato educativo’, diz Poli
Antonio Seabra, presidente da comissão de graduação da Escola Politécnica (EPUSP), diz que “o estágio é um ato educativo e não se caracteriza como emprego”.
“Ele deve aprimorar o processo de aprendizagem, e, se há rigidez, é zelando pelos recursos públicos investidos e se preocupando que o aluno termine o curso em até sete anos e meio [prazo para não ser ‘jubilado’ da engenharia]”, explica.
“Os cursos de engenharia da EPUSP são de 5 anos, em período integral; não são matutinos, vespertinos, noturnos ou mesmo diurnos (manhã e tarde). Demandam atividades que vão além do período de aulas propriamente dito.”
Seabra diz que, para cada hora de aula, o aluno deve dedicar mais uma hora de estudos em casa.
No caso dos estudantes em vulnerabilidade social, o indicado, afirma o professor, é se inscrever para receber os auxílios estudantis:
auxílio financeiro = 500 reais
auxílio moradia = 400 reais
auxílio livros = 150 reais
kit internet (60GB) = 100 reais
A advogada Sara Bessa diz que o valor é insuficiente para muitos alunos. “Como falar para uma pessoa negar o estágio que ia dar R$ 2.500 reais para tentar uma bolsa de R$ 400? Só no ano passado, cerca de 20 alunos me ligaram, pedindo conselho do que fazer. Não deveria ser assim.”
Aluna quase perde vaga
Julia*, aluna da Poli, enfrentou a mesma dificuldade. Foram e-mails e mais e-mails tentando pressionar para que a faculdade aceitasse assinar o contrato de estágio. No entanto, a instituição dizia que, pelo regimento, o aluno só poderia aceitar uma oferta de mais de 20 horas semanais caso faltassem, no máximo, 48 horas de créditos para ele cumprir na universidade.
No caso de Julia, restavam 58 – dez a mais que o permitido.
“É uma organização totalmente elitista. Eu queria muito aquela vaga, ia conseguir ajudar minha família. Mas quase perdi tudo. Só deu certo porque tive acesso a um advogado”, conta.
Nos e-mails (mostrados ao G1), Julia argumenta que:
teria tempo para se dedicar ao curso e cumprir todos os créditos no prazo;
seria muito difícil ser aprovada em outro processo seletivo durante a pandemia;
já estava no sétimo período e precisava logo cumprir o estágio obrigatório.
Mesmo apresentando um mandado de segurança, a jovem precisou aguardar um mês para que a USP aceitasse assinar o contrato.
“Como puderam ignorar por tanto tempo uma ordem judicial? Fui enrolando o RH da empresa para não perder a vaga.”
Reformulações
A USP afirma que instituiu uma subcomissão (com 16 professores e 4 estudantes) para formular propostas de novas regras de estágio.
“Teremos, ainda em 2021, normas complementares”, diz Seabra.
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Celso Tavares/ G1
Daniela Calfat, aluna de engenharia elétrica, diz que muitos professores oferecem resistência à flexibilização das regras. “Eles acham que a bolsa de R$ 400 resolve tudo. Estamos elaborando as propostas [de novo regulamento], mas até agora não conseguimos a aprovação de nenhuma”.
“Até lá, vamos continuar vendo alunos com contratos por fora ou se matriculando em faculdade particular para ter a assinatura. Eles gastam R$ 200, R$ 300, mas isso compensa bastante quando comparam a um salário de estágio na engenharia”, diz.
* Os nomes originais foram trocados a pedido dos entrevistados.
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