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Meio Ambiente

A cidade fantasma criada pelo carvão

Uma infame pluma azul de poluição proveniente de uma das maiores usinas a carvão dos Estados Unidos mudou o curso da história de uma cidade outrora próspera. A pequena cidade de Cheshire, em Ohio, foi comprada quase em sua totalidade por uma usina a carvão vizinha, depois que os moradores reclamaram da poluição
Harmon Leon/BBC
Após fazer uma curva fechada na estrada, eis que surge no topo da colina nevada a Usina General James M. Gavin. Nuvens espessas despontam no horizonte, saindo de suas chaminés.
Estou me aproximando de Cheshire, que já foi uma pequena cidade próspera nos Estados Unidos, mas agora é uma cidade fantasma.
A usina a carvão JM Gavin é a sétima maior emissora de CO2 de todas as centrais de energia nos EUA. Em 2019, liberou 12,9 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
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Mas o legado da usina em sua vizinhança imediata é muito mais visível. É responsável pelo fim de uma comunidade inteira.
Construída em 1800, Cheshire já teve duas igrejas, parques infantis e uma escola, tudo isso situado às margens do Rio Ohio.
Agora, há lotes de terra vazios onde antigamente ficavam pitorescas casas de madeira, que foram demolidas. Restam apenas algumas moradias espalhadas.
Até mesmo os limites da cidade foram expandidos, no intuito de incorporar as 132 pessoas que vivem nas imediações e oferecer assim um senso de comunidade.
Enquanto estaciono, posso sentir o cheiro de enxofre da usina. As ruas desertas de Cheshire em uma noite de sexta-feira são um tanto sombrias, e a calçada está caindo aos pedaços.
Os nomes das ruas, Walnut e Mulberry, contam uma história de uma época diferente.
Em 2002, a American Electric Power (AEP), que era dona da Usina Gavin na época, concordou em comprar a cidade inteira por US$ 20 milhões depois que os moradores reclamaram da poluição do ar — a pluma de fumaça azul contendo ácido sulfúrico que emergia das chaminés da usina se acumulou e encobriu seus arredores.
Os proprietários de imóveis que concordaram em vender foram autorizados a permanecer em suas casas sem pagar aluguel, se quisessem, ou poderiam se mudar e transferir sua propriedade para a AEP.
No total, 221 moradores fizeram as malas e se mudaram — 90 proprietários no total.
Isso foi considerado inédito, de acordo com o jornal americano New York Times: uma empresa comprando uma cidade. Mas também fez com que uma comunidade próspera — alguns haviam passado a vida toda lá — se dissolvesse.
Mark Coleman se lembra de como era Cheshire antes da chegada das nuvens de pluma azul — e do êxodo em massa da cidade de 150 anos.
“Havia cercas de estacas brancas. Eu ia para a escola. Ia aos jogos de futebol americano do colégio nas noites de sexta-feira”, recorda Coleman.
A cidade foi fundada em 1834 e abrigou várias gerações de famílias.
Cheshire já foi uma cidade pequena movimentada, mas agora a maioria de seus moradores foi embora
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Coleman, nomeado prefeito de Cheshire nos últimos 10 anos, agora atende aos poucos moradores que restaram — eles se recusaram a aceitar a oferta e decidiram viver o resto de seus dias à sombra da usina.
“Ninguém está concorrendo contra mim (à prefeitura) agora”, diz Coleman com uma risada.
Residente de longa data, Coleman mora nos arredores de Cheshire, a uma curta caminhada pela estrada da usina. A instalação de 2,6 gigawatts é a maior usina a carvão em Ohio e ocupa a nona posição em tamanho nos Estados Unidos.
Embora ele diga que tenha sentido os efeitos colaterais da Usina Gavin, apenas aqueles que viviam dentro da cidade na época estavam a par da compra. Sua casa passou a fazer parte oficialmente da cidade quando seus limites foram ampliados.
Mas a queda populacional deixou a comunidade com cada vez menos serviços.
“Costumávamos ter um semáforo na cidade”, diz Coleman.
“Mas o estado tirou isso de nós.”
Coleman também menciona que a cidade não tem mais polícia, tampouco limite de velocidade reduzido.
“As pessoas não entendiam. Ficavam pensavam: ‘Não há ninguém morando lá. Qual é o problema de não ter um limite de velocidade?'”
Embora a AEP não seja mais proprietária da Usina Gavin — ela vendeu em 2017 para a Lightstone Generation, uma empresa de capital privado, juntamente com três usinas a gás como parte de um negócio de US$ 2,1 bilhões — a central de energia continua em operação.
Caminhões grandes ainda passam pelo trecho da estrada que leva à Usina Gavin, e uma esteira rolante de 1,6 km leva os resíduos da instalação para um aterro sanitário atrás da cidade.
O correio em Cheshire ainda atende os moradores remanescentes
BBC
Ainda assim, Coleman enfrenta os desafios impostos pela usina, incluindo o cheiro de enxofre, semelhante a ovo podre, e ter que remover a fuligem que cobre sua varanda.
“Faz parte de viver nesta área. Você tem usinas químicas. Você tem usinas de energia. Meu pai era um minerador de carvão — então você se acostuma com esse tipo de coisa… É parte da vida aqui.”
Como um dos últimos moradores remanescentes, Coleman não guarda rancor em relação à Usina Gavin e às outras centrais de energia a carvão próximas.
“São nossas vizinhas. Elas precisam ser responsáveis. Se querem fazer a pluma azul — precisam resolver. E foi isso que fizeram. Na minha opinião, eles resolveram.”
Mas se Coleman acredita que a situação é gerenciável, por que as pessoas não voltaram para Cheshire?
“A Gavin ainda é dona das propriedades”, diz ele.
“Não podem revender para indivíduos.”
A AEP confirmou que as propriedades que possui na cidade não podem ser vendidas, mas acrescentou que não é dona de todos os lotes de terreno em Cheshire.
“Em muitos casos, as estruturas foram demolidas, criando um espaço verde”, diz Melissa McHenry, diretora de comunicação externa da AEP.
No momento da compra, a AEP concordou em permitir que os idosos pegassem o dinheiro e permanecessem em suas casas.
Os limites de Cheshire foram estendidos, ajudando a aumentar sua população depois que os moradores foram embora
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Segundo os termos do contrato, a AEP comprou os imóveis, mas permitiu que os moradores ficassem sem pagar aluguel pelo resto de suas vidas. No momento de sua morte, a propriedade seria transferida para a AEP.
Quando a Lighthouse Generation comprou a Usina Gavin, também herdou as propriedades em Cheshire que a AEP havia comprado, diz McHenry.
Agora, assim que as pessoas remanescentes na cidade morrerem ou forem embora, os trabalhadores da Usina Gavin estarão livres para demolir as últimas casas que fizeram parte do acordo de compra.
No início de minha visita a Cheshire, vi uma casa lacrada. Coleman conta que pertencia a uma senhora idosa que faleceu recentemente. É a próxima na lista de imóveis a serem derrubados.
“Acho isso um pouco sombrio, pelo simples fato de que muitas pessoas que moram na área são mais velhas. Você não vê famílias se mudando para cá”, afirma Coleman.
“Ficamos com a reputação de estar perto da usina.”
Nem todos os moradores optaram por deixar Cheshire após a compra, preferindo permanecer em sua cidade natal
David Howells/Getty Images/BBC
Nova vizinha
Eve Morgenstern passou 10 anos filmando o documentário Cheshire Ohio, que narra a compra da cidade.
“Fiquei completamente impressionada com a história de que um vilarejo centenário inteiro seria comprado por esta enorme usina a carvão.”
Morgenstern foi para Cheshire pela primeira vez em 2002, depois de ler um artigo do New York Times sobre a luta da pequena cidade contra uma enorme corporação que tinha uma receita anual de US$ 61 bilhões.
“É tão ridícula essa ideia de comprar uma cidade”, avalia Morgenstern.”Cheshire era um lugar que os moradores realmente amavam. Era uma vila pitoresca que não tinha sido ocupada por shoppings e empreiteiras.”
Em 1974, quando a AEP construiu a Usina Gavin, não houve muita resistência por parte dos moradores.
“Não parecia preocupante para eles que haveria uma usina bem perto da cidade”, conta Morgenstern. “Na verdade, foi meio empolgante e simbolizou trabalho e progresso em potencial.”
Afinal, o sudeste de Ohio é a pátria do carvão. A apenas alguns quilômetros de distância, fica a Usina Kyger Creek.
Construída em 1954, é menor do que a Usina Gavin, mas seus proprietários — a Ohio Valley Electric Corporation — gastaram milhões tentando resolver seus problemas de poluição.
“[Os moradores] foram muito receptivos quando a indústria veio porque trazia empregos”, explica Morgenstern.
A Usina Gavin tentou ser uma boa vizinha. Mas, em 1995, as coisas começaram a desandar. Houve reclamações sobre o barulho dos ventiladores de alta potência usados ​​para reduzir a poluição, até que instalaram silenciadores.
Antes de 2000, a usina começou a armazenar tanques enormes de amônia anidra para controlar as emissões de óxido de nitrogênio (NOx).
Também armazenava gás de cloro que era usado para prevenir incrustações na refrigeração ou geração de vapor d’água.
A amônia anidra oferecia um método mais barato para reduzir as emissões de NOx, exigida pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, mas não era bem-vinda localmente.
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, se exposto ao ar livre, esta substância química volátil pode provocar cegueira, sufocar, queimar e matar humanos.
Também é um componente essencial na produção de metanfetamina.
O campo de futebol da escola de Cheshire ficou abandonado após a aquisição de 2002
Stephanie Keith/Getty Images/BBC
As pessoas entravam de fininho na usina à noite e abriam buracos no tanque para obter amônia anidra, lembra a moradora Jennifer Harrison.
Isso gerou protestos. Em dezembro de 2000, a usina concordou em adotar um método mais seguro, gastando US$ 9 milhões para usar um sistema baseado em ureia.
Quando foi inaugurada, havia aproximadamente 500 metros de espaço aberto entre a Usina Gavin e a cerca que ficava fora da cidade de Cheshire, de acordo com a AEP.
Mas a cada nova medida de controle ambiental aumentava a presença da usina, levando-a para mais perto da comunidade de Cheshire.
Então, em 2001, nuvens de pluma azul começaram a cobrir toda a cidade — causadas pelas emissões de trióxido de enxofre e ácido sulfúrico da usina.
O cheiro de enxofre estava por toda parte — e podia ser sentido até dentro das casas das pessoas.
“Isso fez as pessoas começarem a ficar muito preocupadas e assustadas com sua saúde e com o que estava acontecendo aqui”, relata Morgenstern.
A AEP diz que a pluma azul era passageira e só tocava o solo “em locais diferentes por períodos de tempo extremamente curtos”.
A pluma azul ocorreria sobretudo em dias de alta umidade. Às vezes, os moradores dizem que era tão densa que as pessoas precisavam acender os faróis dos carros quando dirigiam pelas ruas de Cheshire ao meio-dia.
O número de casas em Cheshire está diminuindo, já que muitas propriedades são demolidas após serem desocupadas
BBC
Harrison, que se mudou para Cheshire em 1980 e fazia parte do conselho da cidade quando a compra foi efetuada, se lembra de sair da piscina no jardim e perceber um gosto estranho na boca.
“De repente, ficou nublado e pensei, cara, o cloro deve estar muito forte”, recorda Harrison, que agora se mudou para 16 km ao sul de Cheshire.
“Em julho, as nuvens desceram e atingiram o solo. Quero dizer que ficamos esfumaçados — toda a cidade. Como um nevoeiro.”
Harrison e outros moradores de Cheshire começaram a sentir queimação nos olhos e na garganta. Asma e outros problemas respiratórios também foram relatados como efeitos colaterais, assim como “bolhas nos lábios e na língua”, como lembra Harrison.
A AEP admite que a névoa era “uma substância irritante temporária” que poderia causar coceira, sensação de queimação nos olhos e narinas e, potencialmente, desencadear asma em pessoas que sofrem da condição.
Mas o que causava a pluma azul?
Em 2000, a Agência de Proteção Ambiental intimou a Usina Gavin por violação da Lei do Ar Limpo.
“Eles tinham uma chaminé enorme que era muito alta”, diz Morgenstern. “E aquela fumaça estava se espalhando por todo o lugar, subindo para Nova York e Canadá.”
Os compostos de enxofre e nitrogênio emitidos pela chaminé de 335 metros estavam causando chuva ácida a centenas de quilômetros de distância, o que desencadeou protestos. Ativistas do Greenpeace chegaram a escalar a chaminé — e saltar de paraquedas para aumentar a conscientização em relação ao problema.
A AEP negou qualquer irregularidade em uma longa batalha judicial com vários estados americanos e a Agência de Proteção Ambiental sobre a chuva ácida de Gavin e várias de suas outras usinas de energia.
A empresa acabou fazendo um acordo, se comprometendo a atualizar as medidas de controle de poluição.
A chuva ácida é causada por uma reação química quando compostos como dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio são liberados no ar.
Em resposta à violação da Lei do Ar Limpo e às preocupações da comunidade, a AEP diz que gastou US$ 850 milhões na instalação de sistemas para reduzir as emissões nocivas.
Primeiro, instalou um purificador para reduzir as emissões de dióxido de enxofre e, na sequência, a tecnologia de redução catalítica seletiva (SCR, na sigla em inglês) para diminuir as emissões de óxido de nitrogênio.
Isso também permitiu que a usina continuasse queimando um tipo de carvão com alto teor de enxofre. A AEP afirma que escolheu instalar os purificadores, em vez de mudar para carvão com baixo teor de enxofre, devido a preocupações da comunidade com a perda de postos de trabalho nas minas locais, já que o carvão precisaria ser obtido de fontes mais distantes.
Embora as medidas reduzissem a chuva ácida que afetava lugares a centenas de quilômetros de distância, a poluição também caiu localmente.
Alguns moradores optaram por vender suas casas, mas continuaram morando nelas — e alguns já foram enterrados no cemitério da cidade
BBC
Até que um novo problema surgiu no verão de 2001. Uma declaração fornecida por McHenry, da AEP, diz que a interação entre os dois sistemas de controle de emissão que a empresa havia instalado na Usina Gavin apresentou um efeito colateral inesperado.
De acordo com a AEP, o SCR causou um ligeiro aumento no trióxido de enxofre que estava sendo liberado, e quando este se misturou com o vapor d’água do purificador, criou uma névoa de ácido sulfúrico que tinha uma coloração azul.
Embora a empresa insista que não houve problemas de saúde de longo prazo causados ​​pela névoa, aqueles que viviam perto da usina afirmam que foram os mais afetados.
Morgenstern também relata que sentiu efeitos adversos durante suas inúmeras visitas a Cheshire enquanto fazia o documentário.
“Sem dúvida houve vezes em que eu ia lá e sentia um cheiro sulfúrico, mas as ocasiões em que os olhos, a boca e a garganta ardiam, eram episódios particulares desse toque de névoa azul”, diz ela. “Meio perturbador.”
As reuniões mensais entre os moradores de Cheshire e um representante da Usina Gavin se tornaram uma competição de quem grita mais alto.
A solução da Agência de Proteção Ambiental de Ohio foi instalar um monitor, embora a própria AEP tenha conseguido enviar os relatórios.
Heidi Griesmer, porta-voz da Agência de Proteção Ambiental de Ohio, disse à BBC que antes de os dados de monitoramento da Usina Gavin serem enviados ao órgão nacional, os dados passam pelo controle de qualidade da unidade de Ohio.
“Houve várias vezes ao longo dos anos, desde que os monitores foram instalados, que uma única hora excedeu o valor padrão de 75 ppb”, diz Griesmer. “Mas a conformidade com o padrão não é baseada em uma única hora, em vez disso, a conformidade é determinada se o 99º percentil das concentrações máximas diárias de uma hora, medidas ao longo de 3 anos, exceder 75ppb.”
Um representante da Usina Gavin comparecia à reunião mensal do conselho da cidade, dizendo que sabia que havia um problema e estava trabalhando nisso.
“Isso é tudo que eles diziam. E eles nunca faziam nada”, afirma Harrison. “Finalmente fomos atrás deles porque eles nunca mudariam sua resposta — ainda seria assim.”
A Usina Gavin chama atenção na paisagem ao redor de Cheshire
Getty Images/BBC
A AEP acabou apresentando uma solução técnica de US$ 7 milhões que pensou que pudesse resolver o problema, mas a essa altura a comunidade de Cheshire já estava farta.
A cidade envolveu seu congressista — que os aconselhou a contratar uma equipe de advogados especializados na promoção da Lei do Ar Limpo.
A equipe jurídica se reuniu com os moradores e, em seguida, negociou com a AEP a portas fechadas.
Eles voltaram com uma oferta de compra de US$ 20 milhões — uma fração do custo das medidas de controle de poluição que a AEP instalou e levou à névoa azul. As casas foram compradas por um valor três vezes acima do preço de mercado — 90 proprietários receberam cerca de US$ 150 mil cada.
Os advogados ganharam US$ 5,6 milhões do acordo de US$ 20 milhões.
A cidade aceitou a oferta. Os moradores dizem que achavam que não havia como enfrentar uma empresa tão grande e que uma batalha na justiça provavelmente se arrastaria por anos.
Eles sentiram que era uma boa solução.
“Queríamos que aquilo acabasse. Nos causou muito estresse depois de tantos anos”, diz Harrison, refletindo sobre sua história com a Usina Gavin.
Ela sentiu que a compra era justa.
“Em primeiro lugar, nossa propriedade não valia nada. Ninguém ia querer comprar uma casa naquele ambiente”, analisa.
“Além disso, estávamos cansados ​​de brigar. Então aceitamos, e fiquei feliz.”
Os termos do acordo previam que nenhuma outra ação judicial poderia ser tomada — os moradores não poderiam processar a usina no futuro, mesmo que surgissem problemas de saúde graves.
Depois que o acordo foi assinado, os moradores tiveram seis meses para se mudar de Cheshire. Logo após se mudarem, suas casas foram demolidas.
Quando a casa de madeira de Harrison, construída em 1901, foi derrubada, seu marido parou na esquina, aos pés de sua árvore de pêra, e chorou.
“Ele nunca chorava. Era um cara grande e forte, mas aquilo partiu seu coração. Mesmo que tivéssemos vencido, ainda era triste”, relembra Harrison.
No entanto, algumas pessoas ficaram com raiva.
“Até hoje — ainda há pessoas que não falam umas com as outras.”
Alguns moradores se recusaram a aceitar a oferta e permaneceram em suas casas. Coleman, que na época vivia fora dos limites da cidade incorporada, só soube da compra pelo noticiário na noite em que aconteceu.
Ele ficou mais chateado com as pessoas que foram até a Gavin e venderam do que com a usina.
“Quando a compra aconteceu, a gente acabou descobrindo a verdadeira face das pessoas”, diz ele.
“Tenha pessoas no conselho que amam a cidade — mais do que a si mesmas. Sinto muito. É assim que eu vejo as coisas. Pessoas que queiram que a cidade seja bem-sucedida — em vez de sua própria ganância.”
Agora, ele observa que sua propriedade não vale muito.
Alguns dos moradores que venderam os imóveis permaneceram na área, comprando casas em cidades vizinhas, mas a comunidade em si se fragmentou.
“Foi uma época muito triste e emotiva”, resume Harrison. “A cidade morreu. As pessoas foram embora. Todos os amigos.”
Pátria do carvão
O que aconteceu em Cheshire é um microcosmo que simboliza o pior cenário de uma usina a carvão.
“O caso Gavin é particularmente surpreendente, mas não é como se fosse algo novo”, diz Neil Waggoner, da Beyond Coal — braço da organização ambiental sem fins lucrativos Sierra Club, cuja missão é promover energia renovável e fechar usinas a carvão nos Estados Unidos.
“São problemas que vemos em comunidades de usinas a carvão em todo o país.”
As usinas de energia a carvão americanas liberam cerca de 2,5 milhões de toneladas de produtos químicos tóxicos em rios, lagos e córregos a cada ano.
Há cerca de 600 usinas a carvão ou petróleo nos Estados Unidos e, entre elas, estão os principais emissores de mercúrio, gases ácidos e vários metais tóxicos.
A razão pela qual Cheshire se destaca é a compra, diz Waggoner.
“Isso fez de Cheshire o marco zero para os impactos daquela usina — e essa conversa mais ampla sobre quais impactos essas gigantescas usinas a carvão estão tendo no país.”
Em 2007, a AEP fez um acordo em um importante processo judicial movido pela Agência de Proteção Ambiental nacional, oito estados americanos e vários grupos ambientais por causa da poluição de 16 usinas a carvão da empresa. Entre elas, estava a Gavin.
A AEP concordou em reduzir seus poluentes atmosféricos em 813 mil toneladas por ano a um custo de US$ 4,6 bilhões .
Também concordou em pagar uma multa de US$ 15 milhões e gastar US$ 60 milhões para limpar os efeitos das emissões anteriores.
Mas como você limpa uma cidade como Cheshire? Lidar com as pilhas de resíduos de cinzas de carvão é uma das questões ambientais locais mais urgentes.
Em 2014, a Beyond Coal contestou o processo de licenciamento para a expansão dos tanques de cinzas de carvão na Usina Gavin.
Os poços de cinzas de carvão, sobras de resíduos da queima de carvão, podem causar contaminação por arsênio, mercúrio, selênio, chumbo, boro, bromo e outros compostos que podem fazer mal à saúde humana.
Chris Yoder, diretor de pesquisa do Midwest Biodiversity Institute, observa que níveis elevados de contaminantes foram encontrados perto da Usina Gavin.
“O preço de ter queimado carvão por 40 anos é que você deixa para trás todos esses tanques de cinzas de carvão que têm uma descarga, contêm poluentes e seu risco; que é tremendo.”
Além de metais pesados, a queima de carvão também libera compostos orgânicos, como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, alguns dos quais podem causar câncer, observa Yoder.
A Usina Gavin recebe licenças da Agência de Proteção Ambiental de Ohio que permitem descarregar certos poluentes, incluindo mercúrio, no Rio Ohio, porque não consegue encontrar tecnologia capaz de removê-los das águas residuais que escoam da unidade.
Ativistas como a Beyond Coal pedem que seja feito mais para melhorar as tecnologias de tratamento disponíveis.
Monte de cinzas
Os resíduos sólidos da Usina Gavin são transportados para um aterro que os moradores apelidaram de Pikes Peak. Este monte de cinzas de carvão é o ponto mais alto em Cheshire, logo acima da copa das árvores, se estendendo por cerca de 1 km2 e ocupando três vales.
“Parece uma montanha branca”, diz Harrison. “É uma terra devastada lá em cima. Tem 20 anos de lixo lá.”
“Estamos lidando com enormes quantidades de cinzas de carvão — com o legado de quanto desses produtos químicos será deixado na água, no solo, com as consequências para a saúde a longo prazo”, afirma Morgenstern.
“Já se passaram quase 20 anos desde que a história veio à tona… e aqui estamos. Ainda está lá. Ainda está sujo. Isso ainda está acontecendo.”
Na Geórgia, um projeto de lei proposto recentemente exige que as cinzas de carvão sejam armazenadas em condições mais seguras. Para reforçar a segurança, as cinzas precisariam ser removidas para aterros sanitários revestidos — que possuem uma barreira entre as cinzas e o lençol freático para ajudar a prevenir a contaminação.
Mas nenhuma legislação desse tipo está sendo cogitada em Ohio, e os custos de remoção das cinzas de um aterro sanitário podem ser enormes.
“Não sei o que poderia ser feito para limpar isso”, afirma Harrison. “O que você faria com isso? Onde colocaria?”
Empregos vitais
A nova proprietária da Usina Gavin, a Lightstone Generation, agora é responsável pela limpeza contínua e redução da poluição.
A empresa não respondeu aos pedidos de comentários da BBC para esta reportagem.
Mas os prognósticos são desfavoráveis, já que até 2027 duas das maiores usinas a carvão de Ohio estão programadas para fechar as portas.
Se a Usina Gavin fechasse amanhã, qual seria o impacto para a comunidade remanescente?
“Ah, morreria”, diz Coleman. “Se a Gavin fechar, é o maior empregador nesta área. As pessoas ainda precisarão aquecer suas casas; ainda precisarão de eletricidade. Mas as energias renováveis, neste momento, ainda não chegaram lá. Até lá, temos que nos contentar com o que temos.”
Waggoner também reconhece esta tensão.
“Aqui está a usina que envenena o ar e destrói a comunidade”, diz ele. “Mas agora você tem pessoas da região que estão lutando para mantê-la funcionando porque é o motor econômico do condado.”
Harrison concorda.
“Não há uma boa solução”, ela afirma. “Ou as pessoas ficam sem emprego e com ar mais limpo, ou você tem pessoas trabalhando no ar sujo — o que afeta as pessoas que vivem lá.”
Esta já é uma área de baixa renda com uma série de outras questões comunitárias, incluindo uma grande epidemia de opioides e um problema mais amplo de drogas.
Dirigindo em direção a Cheshire, é impossível deixar de notar todos os outdoors de grupos de apoio a veteranos e dependentes químicos. Esta área já está sofrendo.
“Essas comunidades forneceram a espinha dorsal para os Estados Unidos serem uma potência industrial”, diz Waggoner.
“Por meio de energia barata e acesso à energia, essas comunidades suportaram um fardo muito maior do que a maioria das outras comunidades no país. Essas comunidades fizeram muito por todos os outros. É imperativo que o resto do país retribua à medida que essa mudança ocorrer.”
Se a usina acabar fechando, Waggoner espera que haja um compromisso de limpar e cuidar da população local, criando uma nova indústria na área.
“Para as comunidades de usinas a carvão”, diz ele, isso significa limpar. “Eles precisam começar a reconhecer a realidade e planejar o futuro.”
Caso contrário, ele teme que a história de Cheshire seja contada em outro lugar.
Para os moradores, tal limpeza transformaria a cidade.
“Gostaria que pudéssemos reconstruir”, diz Coleman. “Antes de morrer, adoraria ver isso.”
Mesmo depois de quase 20 anos da compra, a visão de como a cidade era no passado ainda está fresca na memória dos então moradores.
“Era uma cidade maravilhosa”, diz Harrison, com emoção na voz.
“Acho que eu conhecia quase todo mundo lá. Nós moramos lá por 23 anos. Nossos filhos nasceram e foram criados lá, aprenderam a andar de bicicleta e a nadar lá. Os amigos estavam lá. E, de repente, as pessoas fizeram as malas e se mudaram. É muito triste.”

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