Maia incluiu medida provisória na pauta de plenário, mas oposição ameaça obstruir votação. Texto tem de ser votado na Câmara e no Senado até dia 19 para não perder validade. A Câmara dos Deputados pode votar, ainda nesta terça-feira (12), a medida provisória enviada pelo governo Jair Bolsonaro que amplia a possibilidade de regularização fundiária de terras da União, ocupadas irregularmente, pelo critério da “autodeclaração”.
Isso significa que, em vez de uma equipe do governo vistoriar e medir a área, caberá ao próprio ocupante da terra informar a extensão e os limites da propriedade. O governo diz que só entregará o título após verificar os dados, mas ainda não informou como será feita a checagem.
O texto foi incluído na pauta pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cerca de uma hora antes do início da sessão no plenário. Controversa, a matéria opõe parlamentares ruralistas (favoráveis à MP) e deputados ligados ao meio ambiente (contrários às novas regras).
A proposta foi enviada ao Congresso Nacional em dezembro e, por ser uma medida provisória, entrou em vigor imediatamente. Se não for votada até 19 de maio na Câmara e no Senado, a medida provisória perde validade.
Até esta terça a MP já tinha resultado em 566 títulos entregues em oito estados, informou ao G1 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia subordinada ao Ministério da Agricultura.
Na última quarta (6), em conversa com jornalistas, Maia tinha dito que só pautaria a MP quando houvesse avanço nas negociações e um texto de consenso.
“Todas as matérias anteriores precisam ter um mínimo de consenso, um apoiamento com respeito dos partidos de esquerda. Eu acredito que estamos próximos de chegar num texto que vai atender a bancada do agronegócio e bancada do meio ambiente”, declarou naquele momento.
Nesta terça, partidos de oposição reagiram à inclusão da MP na pauta e disseram que o consenso ainda não foi fechado. A pressão pela aprovação veio, principalmente, de deputados do chamado Centrão e ligados ao agronegócio, além do próprio governo.
O relator do texto, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), chegou a fazer mudanças no parecer em busca de um “meio-termo”. Ele próprio afirmou ao G1 que não sabia da possível votação nesta terça, e aguardava a inclusão do tema na pauta de quarta (13).
Oposição reage
A proximidade do prazo limite da MP fez com que a bancada ruralista e aliados do governo aumentassem a pressão pela votação Na última semana, o próprio presidente Jair Bolsonaro foi às redes sociais para defender a aprovação da matéria.
“Colocá-la em votação, e não deixá-la caducar, é um compromisso com a dignidade desses produtores e com o desenvolvimento do nosso Brasil”, afirmou.
A líder do PSOL, deputada Fernanda Melchionna (RS), vê com surpresa a decisão do presidente da Câmara de pautar a matéria. Segundo ela, o acordo para as sessões remotas da Câmara dos Deputados prevê que apenas pautas ligadas à pandemia do coronavírus, ou temas de consenso, sejam levados a plenário.
“Muito ruim entrar pautas que não tem nada a ver com Covid. Achamos ruim que se descumpra essa premissa. Muito surpreendente, errado, inadequado”, disse a deputada.
Na avaliação do líder do PT, Enio Verri (PR), a decisão de Maia mostra uma mudança na articulação de partidos dentro da Câmara.
“Enquanto só o Centrão e o pessoal do governo estavam cobrando a 910, ele conseguiu segurar. Agora, que o pedido está vindo do próprio PSDB e do DEM, ele não está conseguindo. É um problema. Isso vai criar uma crise muito grande com a oposição. A oposição é contra isso ir para a pauta, ele [Maia] vai ficar com uma minoria dentro da Câmara”, afirmou.
Para o relator da matéria, ligado à bancada ruralista, as regras estabelecidas pela MP significam um avanço no setor.
“No nosso modo de ver, os instrumentos legislativos advindos com a MP em análise significam um verdadeiro avanço na regularização fundiária, devendo ser destacada a ampliação da área”, afirma no relatório.
Na semana passada, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil divulgou nota em que manifestou apoio à aprovação da MP. Segundo a entidade, as novas diretrizes previstas no texto “dinamizam o processo de regularização fundiária, tornando-o célere e seguro”.
Entenda a MP
MP para regularizar terras com base na autodeclaração começou a ser preparada em outubro
A regularização de terras por meio de autodeclaração é baseada em informações fornecidas pelos próprios ocupantes do imóvel rural, sem a necessidade de uma inspeção de campo ou vistoria de autoridades no local.
Esse processo de declaração existe desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário. O que muda é que a MP aumenta o tamanho das propriedades que podem solicitar esse tipo de verificação.
O texto enviado pelo governo ampliava de 4 módulos fiscais para 15 módulos o tamanho de imóveis que poderiam ser legalizados por meio da autodeclaração. O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, a depender das características de cada município em cada região do país.
A mudança desagradou a ala ambientalista da Câmara, que viu na medida uma forma de estímulo à grilagem. Após negociações, o relator reduziu o tamanho máximo da propriedade para seis módulos.
Segundo o texto, a regularização será feita “por meio de declaração do ocupante, sujeita à responsabilização penal, civil e administrativa”.
O relator ainda determinou que as regras de regularização só valerão para ocupações em terras da União feitas antes de 22 julho de 2008. No texto original, enviado pelo governo, o marco temporal estabelecido era 5 de maio de 2014, o que abrangeria um maior número de imóveis.
Como ficam as regras
A medida provisória altera leis que tratam de contratos e licitações com a administração pública, regularização fundiária em terras da União e registros públicos.
Os requisitos para a regularização fundiária de imóveis com até seis módulos fiscais serão feitos por meio de declaração do ocupante, que deverá apresentar:
a planta e o memorial descritivo do terreno, ambos assinados por profissional habilitado e com as coordenadas técnicas do imóvel;
e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
É obrigação de quem fizer o pedido:
não ser proprietário de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não ter sido beneficiado em programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;
exercer ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 22 de julho de 2008;
praticar cultura efetiva na área;
não exercer cargo ou emprego público no Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, no Incra ou nos órgãos estaduais e distrital de terras;
não manter em sua propriedade trabalhadores em condições análogas às de escravos;
não tentar regularizar imóvel sob embargo ambiental ou que seja objeto de infração do órgão ambiental federal, estadual, distrital ou municipal.
Segundo o Incra, o produtor deverá ir até uma regional do instituto para assinar uma declaração e entregar os documentos exigidos, que serão lançados em um sistema digital para checagem.
Ainda caberá ao Incra fazer a checagem dos dados, a ser feita via internet, com análise de documentos e monitoramento via satélite.
Conforme o texto, as propriedades com até seis módulos fiscais passarão obrigatoriamente por inspeções antes da regularização, mas só nas seguintes situações:
se o imóvel for objeto de termo de embargo ou de infração ambiental, lavrado pelo órgão ambiental federal;
se o imóvel tiver indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração;
se o requerimento de registro for realizado por meio de procuração;
se existir conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional;
se houver ausência de indícios de ocupação ou de exploração, anterior a 22 de julho de 2008, verificada por meio de técnicas de sensoriamento remoto.
Comunidades tradicionais e quilombolas
Na versão original assinada por Jair Bolsonaro, a MP abria espaço para que a regularização de terras ocupadas por comunidades tradicionais e quilombolas fosse feita em nome de terceiros. O trecho, no entanto, foi retirado pelo relator.
Segundo a análise do relator, a supressão desse trecho impede “que a regularização fundiária na Amazônia Legal possa gerar a descaracterização do modo de apropriação da terra por essas comunidades”.
O texto permite também a regularização de cooperativas de agricultores familiares conforme as regras previstas na MP, desde que tenham inscrição ativa no Cadastro de Agricultura Familiar e/ou Declaração de Aptidão (DAP).
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