Organizações acusam governo federal de ser “anti-indígena” e Cimi cita que a terra Karipuna está em “situação de iminente genocídio”. Funai e Ibama dizem atuar para combater avanço de vírus nas comunidades. Batiti Karipuna ao lado de troncos derrubados em meio à terra indígena
Fábio Tito/G1
O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Roque Paloschi, diz estar preocupado com o avanço das ações de grileiros nas terras indígenas e a disseminação do novo coronavírus nas aldeias. O arcebispo de Porto Velho declarou que o Governo Federal tem sido “anti-indígena” referente à segurança dos povos.
Até o momento, a Secretaria Estadual de Saúde de Rondônia (Sesau) disse não ter casos suspeitos, diagnóstico positivo ou morte oriunda da Covid-19, doença causada pelo patógeno, entre indígenas no estado.
“Nós não podemos ignorar que o Governo [Federal] desde o início tem se mostrado anti-indígena, tem feito de tudo para retirar os direitos conquistados e fazer vistas grossa às invasões de garimpos, de garimpeiros, de madeireiros, de tudo quanto é tipo de ação que vá ocupando as áreas indígenas, os territórios indígenas já demarcados e registrados, porque são terras da União. Então há uma indiferença por parte do governo no sentido de dar a segurança e preservar”, disse Paloschi.
Funai e Ibama afirmam que estão atuando para combater o avanço do vírus em terras indígenas com medidas como o bloqueio de entradas das aldeias e ações de comando e controle contra ilícitos ambientais nas áreas federais. (Leia mais sobre o que dizem os órgãos do governo federal ao final desta reportagem).
Em nota conjunta, o Cimi, a Associação do Povo Indígena Karipuna (Apoika) e o Greenpeace Brasil denunciaram que o povo Karipuna, em Rondônia, enfrenta “uma situação de iminente genocídio” por ataques recentes de invasores e o risco de contágio do coronavírus Sars-Cov2. Também pedem que o governo reforce a assistência de saúde nas aldeias, pois segundo Dom Roque, “são os grupos mais vulneráveis”.
Dom Roque Paloschi diz que o Governo Federal é anti-indígena.
Guilherme Cavalli/Cimi
“Os povos indígenas no passado já sofreram o genocídio e os extermínio por grandes epidemias. Agora, voltam a ser assombrados por esse fantasma do passado porque nós não temos uma política séria de fiscalização pelas terras indígenas”, declarou Laura Vicuña, missionária do Cimi.
No início de abril, indígenas da terra Karipuna denunciaram terem visto ao menos quatro pessoas desmatando a floresta. A área onde flagraram a ação fica a cerca de 10 quilômetros da aldeia, local onde buscam se isolar para evitar a propagação do vírus.
No ano passado, a Karipuna esteve no ranking das 10 terras mais desmatadas do Brasil. Em outubro de 2019, o G1 esteve na região e revelou que a base da Fundação Nacional do Índio (Funai) na TI foi destruída.
“Continuam ameaçando, pois os invasores aproveitam esse momento de coronavírus para continuar invadindo a terra indígena. Esse é um dos grandes problemas, pois esses invasores podem levar o vírus e contaminar os indígenas”, disse a ambientalista Ivaneide Bandeira, da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé).
Dom Roque Paloschi informou que o Cimi orienta que os indígenas cumpram com as recomendações das autoridades de saúde de permanecerem dentro das aldeias para evitar a disseminação da doença. “Mas diante da desassistência, eles são obrigados a chegar nas cidades, e isso é um risco maior”, reforçou.
O movimento Survival Internacional declarou, no início de abril, que a proteção de terras indígenas em todo o mundo é fundamental para impedir que indígenas morram por causa do novo coronavírus.
Citou também que algumas TIs do país, entre elas a Uru-Eu-Wau-Wau, também em Rondônia, “estão vendo seus territórios sendo invadidos por garimpeiros, fazendeiros e madeireiros”.
Na última semana, o indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, de 33 anos, foi encontrado morto na Linha 625 de Tarilândia, distrito de Jaru (RO). Ari era primo de Awapu Uru-Eu-Wau-Wau, liderança indígena que já sofreu diversas ameaças de morte no estado.
Ari Uru-eu-wau-wau foi encontrado morto em RO
Reprodução/Kanindé
Segundo a Kanindé, Ari trabalhava no grupo de vigilância do povo indígena Uru-eu-wau-wau. A função do grupo consiste, principalmente, em registrar e denunciar extrações ilegais de madeira dentro da aldeia.
Para Dom Roque, a morte de Ari não foi apenas um acidente. “Pois esse professor [Ari] tem sido ameaçado há mais tempo. Em 2019 já tinham denúncias de que estava sendo ameaçado. A gente têm que continuar denunciando, seja em âmbito nacional ou internacional”, explicou.
Missão
O Conselho Indigenista Missionário cita que a morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau já “era anunciada”. Líderes do povo de Ari e de outros do estado sofrem constantes ameaças de morte por defenderem seus respectivos territórios e, consequentemente, a retirada dos invasores. Para o Cimi, trata-se de um conflito histórico.
Almir Naraymoga Suruí, de 45 anos, sente a aflição da ameaça de morte na pele há anos. Um dos líderes indígenas do povo Suruí, em Cacoal (RO), concorda que o governo tem desrespeitado os espaços e direitos indígenas.
“Ele [presidente Jair Bolsonaro] tem declarado duramente que as terras indígenas podem ser liberadas para garimpeiros, mineradoras, e outros tipos de investimentos”, disse.
Povo Suruí.
Reprodução/Associação Metareila
Também ameaçado de morte, Almir reforçou que tenta andar com cuidado, pois entende que os indígenas são vistos como ameaças entre aqueles que querem explorar a floresta a qualquer custo.
“Então é ter fé ao espírito da floresta, ao criador do universo para que a gente possa então levar para frente a nossa missão como líder, de trabalhar com critérios que possam garantir qualidade de vida ao mundo e a todos”.
O que dizem a Funai e o Ibama?
A Fundação Nacional do Índio (Funai) respondeu, por meio da assessoria, que se mobiliza para atuar no combate ao novo coronavírus, assim como os demais órgãos do Governo Federal.
Também negou que exime das obrigações legais, “sempre primando pelo zelo e atenção em suas ações, as quais repercutem diretamente sob o modo de vida dos indígenas neste momento atípico”.
Entre as medidas adotadas pela Funai estão o transporte de indígenas das cidades para as aldeias, orientações às lideranças indígenas e comunidades, o acompanhamento das atividades dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além do bloqueio de entradas das aldeias e conversa com o comércio para entrega de alimentos nas áreas indígenas.
Durante a pandemia, a Funai garante que houve a suspensão por tempo indeterminado das autorizados para entrada nas terras indígenas, bem como atividades que requerem qualquer contato com as comunidades isoladas, por meio da portaria nº 419, de 17 de março de 2020.
Sobre as invasões e trabalhos de desmatamento, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) esclareceu, em nota, que são realizadas ações de comando e controle contra ilícitos ambientais nas áreas federais, incluindo as terras indígenas.
Pasto após queimada ao redor do território Karipuna, em Rondônia
Fábio Tito/G1
As operações, conforme o Ibama, estão previstas no chamado Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (Pnapa), que tem como alvo as áreas prioritárias “para estancar o avanço do desmatamento na Amazônia Legal”.
“Mais recentemente, com a situação de emergência de saúde pública de importância internacional provocada pela pandemia de coronavírus (COVID-19), o Instituto vem adotando medidas de ordem prática, como realizar deslocamentos interestaduais por terra, para resguardar a saúde dos agentes ambientais federais que permanecem em operação e dos indígenas com os quais entram em contato”, complementa o Ibama.
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