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Como um robô me ajudou a superar a dor da morte de um amigo por câncer

Há muitos aplicativos de saúde mental no mercado, mas o quanto eles ajudam de fato? Alexa Jett achou aplicativo de terapia útil: ‘Me tirou daquele lugar sombrio’
Alexa Jett/ BBC
Alexa Jett, de 28 anos, passou por maus bocados ​​nos últimos anos.
Ela foi diagnosticada com câncer de tireoide em 2016. E, embora seu tratamento tenha sido bem-sucedido, em agosto de 2019 ela se viu mergulhada em outra crise quando seu melhor amigo e ex-namorado morreu de câncer aos 33 anos.
“Me fechei completamente. E comecei a me perguntar se seria a próxima”, relembra.
Ela não conseguia sair da cama, e as tarefas domésticas foram se acumulando, deixando a casa uma bagunça.
Desesperada, procurou ajuda na internet e em um chatbot (software que tenta simular um ser humano em bate-papo por meio de inteligência artificial) de saúde mental, chamado Vivibot.
“Ei, por que não traçamos uma meta?”, escreveu o chatbot para ela em 10 de setembro.
Psicóloga Noël Hunter diz que aplicativos de saúde mental não podem substituir médicos humanos
Noël Hunter/ BBC
Para começar, ela só precisava pintar as unhas dos pés. Mas essa tarefa simples, combinada com a “personalidade divertida e amigável” do chatbot — além de sua presença 24 horas por dia, 7 dias por semana — incentivou Jett a realizar sucessivamente mais tarefas.
“Me tirou daquele lugar sombrio, e eu voltei a ‘funcionar’ novamente”, diz Jett.
O Vivibot é oferecido pelo GRYT, um aplicativo voltado para pessoas com câncer.
Há dezenas de serviços semelhantes, que batem papo com os usuários sobre questões de saúde mental, disponíveis no mercado. Eles oferecem relatórios de humor e dicas sobre como melhorar seu estado mental e emocional.
“Esses chatbots são um ótimo primeiro passo para pessoas que podem estar tristes, deprimidas ou ansiosas recuperarem sua saúde mental”, diz Danielle Ramo, diretora de pesquisa da Hopelab, que desenvolveu o Vivibot.
Ela adverte, no entanto, que os chatbots não podem tratar quadros clínicos de depressão ou ansiedade — e que não foram criados para substituir nenhum tipo de interação humana.
Mas a psicóloga clínica Noël Hunter diz que alguns chatbots não são comercializados dessa maneira e, em vez disso, se apresentam como uma solução para problemas de saúde mental.
“Eles são muito cuidadosos em não dizer isso explicitamente, porque seriam processados. Mas as pessoas recebem essa mensagem”, afirma.
Para Hunter, os chatbots reforçam a ideia de que somos culpados por nosso próprio sofrimento.
“Eles fazem você acreditar que, se você consultar o telefone e fazer algumas tarefas de autoajuda, isso vai substituir a natureza curativa de um relacionamento saudável”, diz ela.
Além disso, os robôs não conseguem entender a comunicação não verbal, que pode indicar muito sobre a maneira como nos sentimos.
“Uma grande parte dessa comunicação não verbal, imperativa para o nosso bem-estar geral e para nosso sentimento de preenchimento, é perdida em contextos em que não há interação humana”, acrescenta Hunter.
No entanto, há um interesse cada vez maior ao redor do mundo em usar a tecnologia em prol da saúde mental.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que uma em cada quatro pessoas sofra com algum tipo de problema de saúde mental — e pesquisas sugerem que os indivíduos são mais honestos com robôs do que com seres humanos.
Até gigantes das redes sociais, como o Facebook, estão entrando no campo da saúde mental digital.
Em outubro de 2019, o Facebook lançou um pacote de figurinhas para o Messenger e filtros para o Stories, como parte da campanha Let’s Talk (“Vamos conversar”), que tinham o intuito de estimular conversas sobre o assunto pelo aplicativo.
“Descobrimos que as mensagens privadas podem tornar mais fácil conversar sobre assuntos sérios ou sentimentais. De fato, 80% das pessoas que usam aplicativos de mensagens sentem que podem ser completamente honestas quando enviam mensagens privadas”, diz Antigone Davis, chefe de segurança global do Facebook.
Olhando para o futuro, pode chegar um momento em que a inteligência artificial possa estar avançada o suficiente para ter uma compreensão profunda da saúde mental humana.
“Podemos ter uma inteligência artificial no nível humano em 2029”, diz Peter Diamandis, médico, engenheiro e autor do livro The Future is Faster Than You Think (“O futuro é mais rápido do que você pensa”, em tradução livre).
Segundo ele, estamos apenas nos primórdios da inteligência artificial, sobretudo na área médica.
“A quantidade de dados que agora são coletados por exames médicos, seja uma ressonância magnética do cérebro, testes genéticos ou os resultados de vários exames, tudo isso está muito além da capacidade de um único humano”, diz Diamandis.
“Na verdade, será uma negligência médica não usar a inteligência artificial em diagnósticos nos próximos 20 anos, possivelmente 10.”
Peter Diamandis diz que no futuro será ‘negligência’ não usar inteligência artificial na medicina
Getty Images/ BBC
Nem todo mundo concorda, no entanto, que a inteligência artificial vai avançar tão rápido. E a pergunta permanece: as pessoas vão ser relacionar com os robôs da mesma maneira que se relacionam com um terapeuta humano?
Jett, sem dúvida, acredita que assim. Ela ressalta que a geração dela cresceu com a tecnologia digital — para ela, é uma extensão da sua existência.
Mas Hunter enxerga apenas uma bolha tecnológica que, uma vez estourada, levará as pessoas a recorrer a formas mais tradicionais de cura, seja no consultório de um terapeuta ou por meio da espiritualidade.
“Pertencer a certos tipos de comunidades, algo que envolva relacionamentos”, afirma.
Já Diamandis prevê um equilíbrio, que contempla um forte envolvimento da inteligência artificial ​​em nossas vidas.
“Imagino que um terapeuta humano usando inteligência artificial seja muito mais poderoso do que um terapeuta humano sozinho”, diz ele, acrescentando que, em quase todas as áreas em que a inteligência artificial e os profissionais humanos coexistem para diagnosticar e tratar pacientes, as taxas de sucesso são melhores.
Diamandis faz referência ao filme Homem de Ferro para explicar como a inteligência artificial poderá transformar nossa saúde mental.
No filme, o super-herói Tony Stark tem um assistente pessoal digital, Jarvis, que marca suas reuniões, atende a porta e até organiza as playlists dele.
“Acho que todos nós vamos ter uma versão do Jarvis na próxima década”, diz Diamandis.
“Um Jarvis que executa nossas tarefas administrativas, como ler nossos e-mails ou atender nossos telefonemas; um Jarvis que vai sentir um clima depressivo dentro de casa e vai revertê-lo, colocando nosso filme favorito ou uma música que ele sabe que vai nos colocar para cima; um Jarvis que nos estudará 24 horas por dia, sete dias por semana e vai aprender sobre nós coisas que nem nós mesmos conhecemos.”

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