Alguns dados desta virada de ano reforçam os alertas feitos há tempos pelos cientistas. Visitante passeia pelo jardim Apothecary, em Moscou, em meados de dezembro – quando, em geral, o parque deveria estar coberto de neve
Shamil Zhumatov/Reuters
Para quem duvida das mudanças climáticas, alguns dados assustadores deste fim de ano reforçam os alertas feitos há tempos pelos cientistas. O ano de 2019 teve cinco meses consecutivos de recordes de temperatura batidos no mundo e encerra também a década mais quente já registrada desde que os dados são monitorados, a partir de 1850.
A gelada Rússia, acostumada a passar réveillons sob altas camadas de neve, está experimentando o inverno mais quente jamais visto, com “amenos” 5,4°C em meados de dezembro. Isso significa 10°C a mais do que a média histórica para o período. Moscou chegou a recorrer a neve artificial para manter o imaginário do Natal na cidade.
A Organização Meteorológica Mundial adverte que, de janeiro a outubro, a temperatura média global foi 1,1°C mais alta do que no período pré-industrial. “Desde os anos 1980, cada década foi mais quente do que a precedente”, alertou a entidade ligada à ONU.
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A pergunta que fica é: existe alguma chance de essa tendência se reverter? A RFI questionou um dos maiores especialistas do Brasil em mudanças climáticas, Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice-presidente do IPCC (painel internacional da ONU sobre a questão) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
“Não, esse fenômeno não é cíclico. Ele não vai para um lado ou para o outro: ele vai só para um sentido, porque o acúmulo do gás carbônico e outros gases de efeito estufa na atmosfera segue regras bastante conhecidas. Uma vez depositados, esses gases levam um tempo relativamente longo para sair da atmosfera”, explica. “Portanto, não vai esfriar.”
Gylvan lembra que o CO2 pode se deslocar parcialmente para o oceano e para a biosfera terrestre, mas a maior parte fica na atmosfera, de onde acentua o aquecimento global. Além disso, o calor absorvido pelos oceanos permanece no fundo do mar, em outro fenômeno que também é irreversível.
Diminuição das geleiras a olhos vistos
A diminuição das geleiras é uma das provas mais irrefutáveis do impacto da elevação da temperatura do planeta. Nos últimos anos, se tornou comum as estações de esqui da Europa enfrentarem dificuldades na alta temporada, simplesmente por não haver neve suficiente para os turistas se aventurarem nas pistas.
Durante uma década, Gylvan morou em Genebra, onde trabalhou na Organização Meteorológica Mundial. A cada ano, ele acompanhava de longe a mudança do visual do famoso Mont Blanc. “Chamonix, no Mont Blanc, é lindo: o maior pico da Europa, coberto de gelo. Mas, a cada ano, está diminuindo”, recorda-se.
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2020 é crucial para reverter tendências catastróficas
O ano de 2020 será crucial para o mundo reagir à tendência de aquecimento do planeta: será o ano da entrada em vigor do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em 2015.
Na próxima Conferência do Clima da ONU (COP 26), em Glasgow (Escócia), os países deverão aumentar as suas metas de redução de gases de efeito estufa para evitar os cenários mais catastróficos previstos pelos cientistas para as mudanças climáticas. Com os compromissos atuais, a alta poderá ser de 3°C até o fim do século.
Entretanto, os sinais de um aumento da ambição global sobre o tema foram pouco encorajadores na última COP, em Madri. Países como o Brasil, que costumavam ser progressistas nas negociações, adotaram posturas refratárias. Ainda assim, Luiz Gylvan se mantém otimista.
“A grande maioria das pessoas no Brasil e inclusive no Congresso tem dito que o Brasil precisa fazer a sua parte e usar o Acordo de Paris para pedir que os outros façam a sua também. Espero que seja esse o ponto de vista que prevalecerá”, afirma.
Aumento da consciência ambiental x negacionistas
Se, por um lado, os movimentos de jovens liderados por Greta Thunberg ajudaram a aumentar a consciência sobre o problema em 2019, por outro as teorias negacionistas do aquecimento global ganharam terreno, estimuladas por governos como o dos Estados Unidos, do Brasil e até da própria Rússia.
“Eu acho que os cientistas precisam se comunicar melhor com o povo, porque eles ficam conversando entre eles, mas a maioria da população não lê os relatórios do IPCC e acaba não tomando consciência”, analisa Gylvan. “Mas também tem má fé: interesses econômicos que usam dinheiro para propagar a ideia de que as mudanças do clima não existem.”
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