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Economia

Crise e pandemia forçam jovens a buscar trabalho e prejudicam estudos

Cresce percentual de estudantes que procuram emprego. Falta de dedicação exclusiva aos estudos pode reduzir acesso ao ensino superior, Camila Gonçalves tenta uma vaga no curso de medicina da Universidade Federal de Rondônia. Mas, com redução da renda da família na pandemia, ela teve que deixar a dedicação exclusiva aos estudos para trabalhar.
Arquivo Pessoal
Camila Gonçalves tem 19 anos e sonha com uma vaga em Medicina na Universidade Federal de Rondônia (Unir). Mas, no ano em que havia pensado em se dedicar aos estudos, veio a pandemia.
As medidas adotadas para conter o avanço do coronavírus afetaram diretamente seu planejamento: as aulas presenciais foram suspensas, o ensino remoto exigiu outra rotina de preparação, e o fechamento de empresas e comércios fez com que a renda familiar, composta pela venda de bolos e doces, despencasse.
Camila teve que deixar a dedicação exclusiva aos estudos para conciliar com o trabalho e ajudar nas despesas da casa em que mora, em Porto Velho (RO), com a mãe e o irmão de 10 anos.
“Se já é difícil estudar só se preocupando com o vestibular, imagina estudar e ter que pensar em como pagar as contas? Não é só o cansaço físico de trabalhar um dia inteiro. É o cansaço mental que mais me atrapalha. Como você dorme pensando na conta para vencer, se não tem dinheiro para pagar?”, diz a jovem.
A crise econômica agravada pela pandemia tem efeitos perversos sobre a juventude. Entre 2020 e 2021, caiu o número de estudantes que não trabalhavam nem procuravam trabalho. Ao mesmo tempo, cresceu o percentual de alunos que estão procurando emprego. No ensino médio eram 33% no ano passado e, em abril deste ano, já são 42%. Entre eles, a maioria (44%) está na rede pública e 29% no ensino privado.
Ao todo, 6 a cada 10 estudantes dizem que estão em busca do primeiro emprego devido ao impacto da crise econômica na renda familiar, agravada pela pandemia.
Os dados são da pesquisa Juventude e Pandemia, que ouviu 68 mil jovens de 15 a 29 anos entre março e abril deste ano. Ela foi divulgada nesta quarta-feira (11), no Dia do Estudante, pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), em parceria com instituições como Em Movimento, Fundação Roberto Marinho, Mapa Educação, Porvir, Rede Conhecimento Social, Visão Mundial e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
“O que a gente enxerga são sonhos desconstruídos, sonhos deixados de lado, e a manutenção da condição social de toda uma geração, que terá desafios maiores para crescer”, afirma Marcus Brandão, presidente da Conjuve.
Acesso ao ensino superior
A dificuldade em concluir os estudos, agravada pela antecipação da entrada destes jovens no mercado de trabalho, pode impactar no futuro desta geração.
A pesquisa aponta que 11% dos estudantes matriculados no ensino médio declaram não estar acompanhando as aulas remotas, seja por falta de conectividade, ou por questões de trabalho.
Outro dado que chama a atenção é que 70% dos jovens declaram que não estão conseguindo se preparar como gostariam para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021. A prova é considerada o maior vestibular do país, porque as notas permitem disputar vagas em universidades públicas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), além de serem aceitas em algumas instituições privadas.
Com isso, 80% dos estudantes dizem ter medo do desempenho na prova; em 2020 eram 63%.
A insegurança levou 50% dos jovens a declararem que estão pensando em desistir do Enem neste ano. Em 2020, eram 47%.
O cenário revelado pela pesquisa também pode ser percebido nos números oficiais do Enem. Em 2021, o total de inscritos confirmados foi de 3.109.762, o menor índice desde 2005, quando o exame ainda não tinha o formato de vestibular e contou com a participação de 3.004.491 candidatos.
Na edição de 2020, já tomada pelos efeitos da pandemia, foram 5.783.357 inscritos e o maior registro de abstenção da história: 55% dos candidatos não compareceram às provas.
Trabalho e estudo
A pressão do emprego sobre o estudo também atingiu Rafaela Ribeiro dos Santos, de 18 anos, que mora em Natal (RN).
Ela está conciliando a conclusão do ensino médio no Instituto Federal Tecnológico do Rio Grande do Norte (IFRN) com um trabalho na área de tecnologia da informação.
“Sem a pandemia, eu não estaria trabalhando. O plano era me dedicar 100% ao Enem”, avalia.
“Agora, o ritmo de estudos diminuiu. Saio de casa às 7h30 e chego às 15h30. Aí, é difícil ver a aula, entender o que está passando. O Enem vai ficando de lado”, revela a jovem.
Se antes Rafaela se dedicava todos os dias aos estudos, incluindo sábado e domingo, agora são dois dias por semana.
“A gente vai perdendo aquela vontade de estudar e correr atrás”, admite.
“Dá medo do futuro, do que vai acontecer lá na frente. Tiveram muitos cortes na educação, principalmente em verba para institutos federais, onde estudo. É essa incerteza do futuro, de não saber exatamente como será o dia amanhã, que desanima”, afirma.
Custos da educação
A dificuldade atual dos jovens em permanecer estudando afeta sonhos pessoais, e também a economia do país.
“A pandemia tem acirrado desigualdades”, avalia Rosalina Soares, assessora de pesquisa e avaliação da Fundação Roberto Marinho.
“Em 2020, 27% dos jovens do ensino médico pensavam em abandonar os estudos. Neste ano, já são 36%”, destaca. “É um risco grande, não só para a juventude, mas para todo o Brasil se de fato perdemos os jovens que podem deixar as escolas”, afirma Rosalina.
A estimativa é que o Brasil poderá perder, ao ano, R$ 220 bilhões com a falta de escolaridade dos jovens. O cálculo é do estudo Consequências da Violação do Direito à Educação, da Fundação Roberto Marinho e do Insper, divulgado neste ano. Ele leva em conta a baixa produtividade dos jovens com formação não-qualificada no mercado de trabalho. Ou seja, quanto menos estudo, menor o salário.
“A educação é um meio de mobilidade social importante. Estudos indicam que a cada 100 pontos de evolução no Pisa [prova internacional de avaliação dos estudantes], há um aumento de dois pontos percentuais no PIB [Produto Interno Bruto]. Isso demonstra que a educação tem valor muito grande para o desenvolvimento econômico do país”, analisa.
Rafaela está conciliando a conclusão do ensino médio com um trabalho na área de tecnologia da informação. ‘Sem pandemia, estaria me dedicando 100% ao Enem’, diz.
Arquivo Pessoal/BBC
Universidade ‘para poucos’
Em meio ao desafio dos jovens de seguirem seus estudos, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, declarou em entrevista à TV Brasil nesta segunda-feira (9) que a universidade deveria ser “para poucos”.
“Os institutos federais serão a grande vedete no futuro, não tem outro comentário. Você está cansado de pegar, com todo respeito que tenho aos motoristas, profissão muito digna, mas tem muito engenheiro, advogado, dirigindo Uber, porque não consegue a colocação devida. Mas, se fosse um técnico em informática, estaria empregado porque há uma demanda muito grande. Então, o futuro são institutos federais, como é na Alemanha, hoje. A Alemanha dá atenção a…, são poucos os que fazem universidade. A universidade, na verdade, deveria ser para poucos, neste sentido de ser útil à sociedade”, afirmou Milton Ribeiro, ministro da Educação.
Em entrevista à CNN nesta quarta (11), Ribeiro reafirmou a declaração, destacando que ela se insere em um contexto de valorização da educação técnica.
“Universidade pressupõe pesquisa. Não quero tirar da população brasileira o acesso ao ensino superior. Pelo contrário, em outubro teremos novidades, que gostaria de deixar à mesa, mas quero deixar claro que a declaração foi feita neste contexto”, afirmou.
Ribeiro ainda citou que a maioria das vagas do ensino superior estão em instituições privadas, mas não relacionou o dado à iniciativa de ampliar o acesso ao ensino superior público. Para o ministro, o foco deve ser a educação básica.
“Ao lado do ensino público brasileiro superior, nós temos a iniciativa privada, que hoje responde por 76% das vagas oferecidas. Creio que a nossa ênfase deveria ser em política pública para a educação básica. Essa sim, que carece de recurso, essa sim que carece de atenção maior da sociedade brasileira, e ensino profissionalizante”, afirmou.
Alunos buscam acesso
Rafaela, que estuda em um instituto federal, comentou que o ensino técnico ainda é muito restrito no país e que a universidade acaba sendo a chance de estudantes melhorarem a formação, além da educação básica.
“Achei um completo absurdo falar que a universidade é para poucos quando, na verdade, é uma porta para muitos que não tiveram acesso ao instituto federal, que ainda tem poucas vagas se comparado ao ensino médio geral. Queria que muitos estudantes tivessem o privilégio que eu tive, mas não é possível. A universidade acaba sendo a porta de entrada para uma formação mais qualificada, e cabe aos estudantes decidirem se vão fazer universidade ou não”, analisa.
Para Camila, a declaração também não foi animadora. “A universidade já não é para todo mundo. Mas, quando o governo deixa claro isso, só piora a situação porque vão cortar bolsas de estudo, auxílio permanência, como já tem ocorrido. É mais uma dificuldade. A sensação que dá é que a gente tem que lidar não só com os concorrentes, mas também com o governo”, diz.
Investimentos
Para Rosalina, a saída é pensar em políticas públicas integradas, que alinhem educação e desenvolvimento.
“A população que está em idade de ensino médio está correndo risco de abandonar a escola em função de tudo que a gente viveu durante a pandemia, com fechamento de escolas, desafios econômicos, e emocionais. Eles precisam ser enfrentados com políticas sistêmicas, integradas. Não dá para pensar só em projeto de educação, tem que pensar em projeto de educação relacionado à inclusão produtiva, e a projetos que cuidem da saúde física e emocional deste jovem, para que a gente tenha de fato sucesso com as políticas públicas”, defende.
Para Marcus Brandão, o foco deve ser a volta às aulas presenciais.
“Fomos um dos países que mais demorou para retomar atividades escolares, por conta da pandemia, e a forma como foi conduzida a gestão da crise também trouxe consequências severas para economia e sociedade”, avalia.
“O sinal vermelho está aceso há algum tempo, temos que tratar a educação com prioridade e senso de urgência. A prioridade máxima é a volta às aulas aliada a medidas para combater um possível agravamento do quadro social com a evasão e abandono dos estudos”, pondera.

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