Mudanças recentes no clima causadas pelo homem não têm precedentes, aponta relatório da ONU thumbnail
Meio Ambiente

Mudanças recentes no clima causadas pelo homem não têm precedentes, aponta relatório da ONU

Influência humana é responsável por alta de 1,07°C na temperatura global, estima relatório do IPCC. Alta de 1,5°C a 2°C será vista neste século se não houver profunda redução nas emissões de gases de efeito estufa. Enchentes, neve e calor extremo: como as mudanças climáticas afetam o planeta
Mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis, irreversíveis e levaram a um aumento de 1,07º na temperatura do planeta, aponta o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) publicado nesta segunda-feira (9).
É a primeira vez que o IPCC – um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) – quantifica a responsabilidade das ações humanas no aumento da temperatura na Terra.
“Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, centenas de milhares de anos. Algumas das mudanças – como o aumento contínuo do nível do mar – são irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos”, aponta o relatório.
A conclusão é um dos pontos do documento nomeado “Climate Change 2021: The Physical Science Basis”, que apresenta ainda os seguintes destaques:
Papel da influência humana no aquecimento do planeta é inequívoco e inquestionável;
Mudanças recentes no clima não têm precedentes ao longo de séculos e até milhares de anos;
Todas as regiões do globo já são afetadas por eventos extremos como ondas de calor, chuvas fortes, secas e ciclones tropicais provocadas pelo aquecimento global;
Cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850;
Temperatura vai continuar a subir até meados deste século em todos os cenários projetados para as emissões de gases de efeito estufa;
Aquecimento de 1,5°C a 2°C será ultrapassado ainda neste século se não houver forte e profunda redução nas emissões de CO² e outros gases de efeito estufa
Reduções fortes e sustentadas na emissão de dióxido de carbono (CO²) e outros gases de efeito estufa ainda podem limitar as mudanças climáticas;
Caso as reduções ocorram, ainda pode levar até 30 anos para que as temperaturas se estabilizem.
LEIA TAMBÉM

VÍDEO: Entenda onda de frio que atingiu o Brasil no fim de julho
CANADÁ: Onda de calor cozinhou moluscos vivos em praia
ESTUDO: Floresta amazônica já emite mais gás carbônico do que absorve
Relatório aponta os efeitos das mudanças climáticas no mundo
Os dados integram a primeira das três etapas do relatório do IPCC. As duas próximas publicações abordarão como lidar com o aquecimento e quais as estratégias para evitar um aumento ainda maior da temperatura.
No entanto, o texto desta segunda-feira deve ser o único divulgado antes da Conferência das Partes (COP26), prevista para novembro em Glasgow, na Escócia.
Aumento da temperatura global
Arte/G1
Meta de 1,5°C para barrar devastação
O relatório indica que o impacto da ação humana já está perto do limite de 1,5ºC de aumento da temperatura global que foi definido em 2015 durante a COP21, no Acordo de Paris. À época, os países presentes se comprometeram com algumas metas para conseguir barrar as mudanças do planeta, incluindo o Brasil, que diz querer atingir a neutralidade nas emissões de gases causadores do efeito estufa até 2060.
Entenda a diferença entre a ‘Cúpula de Líderes sobre o Clima’ e a COP 26
Nova meta do Brasil no Acordo de Paris permite desmate 78% maior em 2025 do que no período anterior a Bolsonaro
A pesquisadora Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das participantes do grupo de trabalho da terceira parte do relatório do IPCC, alerta que os dados exigem uma resposta urgente – apesar de a ação humana ter causado danos irreversíveis por séculos ou milênios, o cenário como um todo não é considerado irreversível.
“1,07°C é a estimativa média entre 0,8ºC e 1,3ºC. O valor de 1,3ºC nos coloca bem próximos da meta de 1,5ºC do Acordo de Paris para 2100. Ou seja, a urgência é evidente para trabalhar nas causas do aquecimento”, disse Bustamante.
A especialista diz que um ponto importante a destacar é que está mais quente “em sistemas terrestres (onde vive a população) do que nos oceanos, pois a água segura mais as variações de temperatura”. A alta da temperatura total do planeta, com influência humana e com a variação do próprio sistema climático, é de 1,09ºC (variação de 0,95ºC a 1,20ºC).
Irrefutável
Nas primeiras páginas, o documento utiliza o adjetivo “inequívoca” para se referir à influência humana nas mudanças climáticas. A ciência já considera que as provas são irrefutáveis.
“É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na biosfera” – IPCC.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, explica que o documento “mudou a linguagem” e acrescentou esse grau de certeza, sem margem para “contestação”.
“A gente não está mais discutindo se o homem foi um fator ou se é o um fator preponderante nas mudanças climáticas. Não se discute o ‘se’, mas o ‘quanto’. É inequívoca a influência humana no clima da Terra e eles [IPCC] agora mostram quanto conseguem estimar em graus de temperatura”, disse.
Ondas de calor pelo mundo
Elcio Horiuchi/G1
Perspectiva: 9 pontos do impacto
Abaixo, veja nove pontos do impacto do aumento da temperatura global na vida na Terra, segundo o relatório do IPCC:
A temperatura da superfície terrestre subiu mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos visto nos últimos 2 mil anos;
As ondas de calor se tornaram mais frequentes e mais intensas em quase todos os continentes do planeta desde 1950, enquanto frios extremos se tornaram menos frequentes e menos severos;
Nas últimas 4 décadas, houve um aumento da proporção de ciclones tropicais;
A influência humana aumentou a chance de eventos extremos desde 1950 e isso inclui a frequência da ocorrência de ondas de calor, secas em escala global, incidência de fogo e inundações.
Em 2019, a concentração de CO² na atmosfera era maior do que em qualquer outro momento nos últimos 2 milhões de anos e a concentração de metano e óxido nitroso era a maior em 800 mil anos;
As ondas de calor marítimas ficaram aproximadamente duas vezes mais frequentes desde 1980;
Entre 2011 e 2020, a área média de gelo no Ártico atingiu seu número mais baixo desde pelo menos 1850 e era, no final do verão, menor do que em qualquer época nos últimos mil anos;
O recuo das geleiras – com uma redução sincronizada em qualquer todas as geleiras do mundo desde os anos 50 — é sem precedentes pelo menos pelos últimos 2 mil anos;
O nível médio do mar aumentou mais rápido desde 1900 do que em qualquer século em pelo menos nos últimos 3 mil anos.
VÍDEO: Veja cenas de eventos climáticos extremos pelo mundo
Evidências compiladas pelo IPCC
O IPCC foi criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial com o objetivo de sintetizar e divulgar o conhecimento mais avançado sobre as mudanças climáticas.
Em 2007, o IPCC e o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore receberam o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho de difusão do conhecimento sobre o aquecimento climático e sobre as medidas necessárias para limitá-lo.
O Painel não produz pesquisa original, mas reúne, avalia e interpreta o conhecimento produzido por cientistas de alto nível – tanto os independentes quanto aqueles ligados a organizações e governos. O painel já produziu cinco grandes relatórios completos – o divulgado nesta segunda é uma parte do sexto.
O atual documento originalmente estava previsto para sair em abril, mas os trabalhos foram adiados pela pandemia de Covid-19. O texto tem 234 autores de 66 países; a pesquisadora Claudine Dereczynski, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma das colaboradoras.
G1 no Youtube

Tópicos