Cebolinha, acelga, couve, berinjela estão entre os alimentos que foram difundidos pelos imigrantes. População começou a chegar ao país em 1908 para trabalhar nas fazendas de café e depois seguiu em outras áreas de produção. Veja 5 contribuições dos japoneses na agricultura brasileira
Os imigrantes japoneses, que chegaram ao país no início do século passado (1908), fizeram grandes contribuições para a agricultura brasileira, revolucionando a forma como que se produzia no país.
Entre as colaborações estão:
a implementação de um cooperativismo baseado em uma produção coletiva, por meio do qual, os imigrantes ajudaram a expandir a agricultura para todo o Brasil e a lançar novas hortaliças, frutas e legumes, como a uva, a ameixa, a cebolinha, a acelga, a couve, a maçã e a berinjela;
novas técnicas de agricultura orgânica e o conceito de agricultura natural, que parte da crença de que é possível produzir alimentos com energia vital e, assim, gerar mais saúde;
agricultura intensiva, que permite otimizar um espaço para obter mais produtos.
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Produção coletiva
Apesar de os japoneses não terem sido os primeiros a fundarem cooperativas no Brasil, eles foram fundamentais para a expansão e implementação de um novo associativismo já aplicado em seu país natal.
A grande inovação dos japoneses foi a ênfase na produção coletiva, para o sociólogo Gustavo Taniguti, autor do livro “Imigração, política e cultura: a trajetória empresarial da Cooperativa Agrícola de Cotia”,
Com essas novas associações, a participação dos produtores na tomada de decisão se tornou mais importante.
Dentre as cooperativas japonesas, a primeira e mais importante foi a de Cotia, fundada em 1927, no estado de São Paulo.
Tudo começa com batata
Ex-vice-presidente de cooperativa explica como imigrantes japoneses atuaram na agricultura
Quando os japoneses chegaram ao Brasil, eles precisavam ficar por pelo menos 2 anos nas fazendas de café, já que a imigração tinha como objetivo suprir a mão de obra nessas produções.
Depois desse período, os trabalhadores poderiam obter uma propriedade e iniciar outros tipos de cultivos.
Foi a partir dessa independência que os produtores viram que precisavam se unir.
Americo Utumi foi membro da Cooperativa Agrícola de Cotia por 40 anos, iniciando, aos 18, como auxiliar de escritório e chegando ao cargo de vice-presidente. Ele conta que tudo teve início com a batata.
“A batata, até então, era importada da Holanda, o Brasil não produzia, apenas alguns pequenos produtores que produziam batatas. Eles colhiam, colocavam na sua carreta de bois e dirigiam até Pinheiros (bairro da cidade de São Paulo). Quando chegavam lá, os donos dos boxes de mercado ofertavam o preço, que não cobriam nem os custos de produção, mas o que eles podiam fazer? Não podiam levar a batata de volta”, recorda.
Contudo os imigrantes perceberam que, aos consumidores finais, a batata era vendida a preços muito mais altos. A partir disso, os produtores, que moravam em Cotia, fundaram a associação para conseguirem, juntos, comercializar o tubérculo por um valor mais justo.
O negociação do produto na região da capital paulista se tornou tão popular que ela é conhecida até hoje como o Largo da Batata e permanece sendo uma área de comércio.
Largo da batata, na capital paulista, permanece como área de comércio até hoje.
Divulgação
O sociólogo Gustavo Taniguti afirma que as contribuições da cooperativa à agricultura são vastas, desde a introdução de técnicas, novos produtos, desenvolvimento da estrutura de distribuição e de regiões agrícolas no país.
Utumi se lembra que a associação foi fundamental para a promoção de assentamentos na Caatinga e no Cerrado. Este último, até a empreitada dos japoneses, era considerado infértil.
Taniguti conta que a cooperativa encerrou atividades em 1994, devido a problemas financeiros por dívidas contraídas.
Busca por identidade
Na década de 40, com a Segunda Guerra Mundial, o Brasil e o Japão se tornaram inimigos e isso refletiu em como esses imigrantes foram tratados no país. Eles sofreram com perseguições do próprio governo e tentativas de expulsão, explica o sociólogo Tanguti.
Na Cooperativa Agrícola de Cotia, os japoneses foram retirados de cargos de chefia e substituídos por brasileiros. Apenas anos mais tarde estes postos seriam recuperados, por meio dos filhos destes imigrantes, já nascidos no Brasil.
Tanguti conta que foi através da agricultura que a percepção do japonês no Brasil mudou novamente e na década de 60 a aceitação deles pela população melhorou.
“A partir dessa narrativa os japoneses passam a entrar no imaginário social, imaginário da nação brasileira, que é uma coisa que antes tinha sido negada para eles por causa da Segunda Guerra. É interessante pensar como a agricultura operou como um domínio.”
Cultivo de hortaliças
Cooperativa Agrícola de Cotia
Arquivo
Os japoneses e seus descendentes também impulsionaram o cultivo de hortaliças no Brasil e até mesmo o hábito de comer verduras, conta o agrônomo Chukichi Kurozawa, consultor do Globo Rural.
“O brasileiro não tinha muito costume de comer alface, salada. Isso mudou muito com a influência japonesa. Hoje qualquer restaurante tem salada”, diz.
Na lista de verduras e legumes estão, por exemplo, rabanete, nabo, cebolinha, acelga, couve e pepino japonês, berinjela. Já na das frutas, tem caqui, ameixa, uva, pera, maçã.
“Os imigrantes japoneses começaram a cultivar esses alimentos nas suas chácaras, em pequenas propriedades e, hoje, toda a população brasileira já produz” diz Chukichi, que também é professor emérito da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Essa influência é tão grande que, em sua infância, Chukichi, tinha até apelido de hortaliça. “Ia jogar bola e me chamavam de ‘japonês tomatinho’, porque japonês tinha fama de que era produtor de tomate”, lembra o agrônomo, nascido em 1940.
Chukichi Kurosawa aos 12 anos de idade
Arquivo pessoal
Outra contribuição dos japoneses e seus descendentes foi a formação do Cinturão Verde de São Paulo ainda na primeira metade do século passado. A região é a principal fornecedora de hortaliças para a cidade de SP e é composta por municípios como Mogi das Cruzes, Santa Isabel, Suzano, Ibiúna, Itapetininga, Piedade do Sul.
Ao norte do país, a partir de Tomé-Açu, no Pará, eles introduziram o cultivo da pimenta do reino e desenvolveram um modelo de agricultura que é exemplo de produção sustentável na Amazônia. Veja abaixo uma reportagem do Jornal Nacional sobre o tema:
Japoneses desenvolvem produção agrícola sustentável na Amazônia. Exibição em 14 de outubro de 2019.
Soja
Principal produto de exportação do Brasil hoje, a soja era cultivada mais ao Sul do Brasil no início do século 20 e a sua expansão pelo país se deve muito à contribuição japonesa.
“Me lembro que minha mãe fazia tofu porque o meu pai plantava soja. Era a única maneira de consumir porque era muito difícil encontrar soja para comprar”, rememora Chukichi.
Um dos pioneiros dos estudos desta cultura no Brasil foi o agrônomo Shiro Miyasaka, primeiro japonês a se doutorar em agronomia no país. Ele faleceu em 2017, aos 92 anos.
Nascido em Hokkaido, ele foi chefe da seção de leguminosa do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em SP, e fez cruzamento de diferentes variedades de soja, impulsionando o melhoramento genético da oleaginosa a partir da década de 50.
Já nos anos 70, uma parceria entre os governos brasileiro e japonês expandiu a soja para o cerrado, bioma visto por muito tempo sem potencial agrícola e que, atualmente, tem a soja como a sua principal cultura.
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Espiritualidade na agricultura
Entenda como é o uso da espiritualidade na agricultura
A agricultura natural faz parte das “três colunas da salvação” da filosofia messiânica, desenvolvida por Mokiti Okada no Japão (Saiba mais no vídeo acima). Cada pilar visa a evolução do ser humano e uma dessas formas é por meio da saúde, que, por sua vez, é adquirida com uma boa alimentação, explica a bióloga e pesquisadora da Korin Agricultura Natural, Sakae Kinjo.
Sakae relata que na legislação a agricultura natural é enquadrada juntamente com a orgânica, mas elas têm algumas diferenças. Uma delas é que nos princípios passados por Mokiti Okada nenhuma forma de adubação é recomendada, nem com esterco.
“Tudo o que se usa no solo com objetivo de adubar tira a força do solo, que foi criado por Deus com a capacidade de produzir o alimento. Tudo que fizermos atrapalha a energia que vem do solo”, explica a bióloga.
Na agricultura natural também há o princípio de amor ao solo: “O que é amar o solo na prática? É não deixar secar, sempre ter uma cobertura com matéria orgânica por cima para proteger, não envenenar. Essa preocupação é que dá o resultado”, conta.
Dentro desta prática, o sentimento do agricultor também é levado em conta. “Mokiti okada fala que quando um agricultor sente a necessidade de produzir alimento para levar saúde para as pessoas, então esse solo também responde de uma outra forma, as plantas se desenvolvem com mais saúde, os alimentos mais saborosos”, narra a pesquisadora.
Deste modo, após o consumo do alimento, as pessoas obteriam saúde e emanariam positividade, “só a gratidão de estar saboreando um alimento com energia vital, esse sentimento de gratidão chega no produtor e acaba fechando um ciclo”, explica Sakae.
Além disso, o meio ambiente também se beneficiaria desse ciclo, já que a técnica evita o uso de agrotóxicos.
Na criação de animais, a filosofia determina proporcionar a eles um ambiente mais próximo do natural, evitando aditivos artificiais nos alimentos, antibióticos e só aplicando as vacinas obrigatórias, já que, como os animais estão em ambientes saudáveis, não haveria exposição a doenças.
De acordo com Sakae, a agricultura natural chegou ao Brasil na década de 50, com os imigrantes do pós-guerra. Uma das pioneiras foi Teruko Sato, que aos 18 anos veio de navio sozinha para a região Norte do país e viajou também para o Paraná e para Tupã, em São Paulo, disseminando a filosofia.
Agricultura orgânica
Foram os imigrantes japoneses que trouxeram algumas técnicas de agricultura orgânica, como o uso do bokashi, um adubo feito à base de microorganismos.
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De acordo com o produtor rural Masami Yoshizumi, o uso dos microorganismos para tratamento do solo e de folhas é uma técnica japonesa usada ainda no início da aplicação da agricultura orgânica no Japão e trazida ao Brasil pela Fundação Mokiti Okada e pela igreja messiânica.
“Boa parte do uso de microorganismos chegou há 30 anos, quando a agricultura orgânica era pouco conhecida, então (o método) foi trazido até para a agricultura tradicional”, explica.
A igreja messiânica foi muito importante para a difusão de técnicas agrícolas japonesas. Ela contava, inclusive, com uma área de pesquisa e difusão da agricultura no Brasil.
Assista, a seguir, a história de Yoshizumi, terceira geração da família a cultivar hortaliças no Brasil:
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Agricultura intensiva
Na agricultura intensiva, como o próprio nome já sugere, há um uso intensivo da terra e dos meios de produção para se obter grandes quantidades de um produto. O agricultor Yoshizumi diz que, no Japão, a técnica surgiu por causa do país possuir uma pequena extensão territorial.
“Normalmente a agricultura no Japão é praticada somente na parte das montanhas (…). As terras férteis disponíveis no Japão são muito pequenas e de alta eficiência. E os imigrantes trouxeram esse conceito”, explica.
Segundo Yoshizumi, os imigrantes que se mudaram para São Paulo não possuíam propriedades grandes e quanto mais o país foi se desenvolvendo, a importância de aumentar a produtividade e o lucro também cresceu. Deste modo, a agricultura intensiva se tornou uma boa opção.
Máquinas agrícolas
Um nome importante é Shunji Nishimura, fundador da Jacto, uma das principais empresas nacionais de máquinas agrícolas.
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Ele chegou ao Brasil em 1932, com 21 anos e, sete anos depois, fixou-se na cidade de Pompeia, interior de SP, onde abriu uma oficina de consertos gerais.
Nishimura era muito procurado por agricultores para consertar polvilhadeiras de defensivos, que, na época, eram importadas e não tinham assistência na região. De tanto consertá-las, ele criou um novo modelo, melhor e mais fácil de usar. Era a primeira polvilhadeira criada no Brasil e o primeiro produto com a marca Jacto, em 1948.
“Antes de tudo, ele era um grande inventor. Ele viveu consertando coisas, tinha habilidade para questões mecânicas”, afirma Carlos Eduardo de Freitas Viana, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP.
Nishimura fico à frente da Jacto até 1972, quando seu filho Jiro Nishimura assumiu a presidência.
Mesmo após sair do comando da empresa, o inventor continuou se dedicando ao desenvolvimento de novas máquinas e criou a primeira colhedora de café, além de orientar as decisões e estratégias da companhia.
Nishimura faleceu aos 99 anos, em 23 de abril de 2010.
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