Movimentos como HeyMama querem dar visibilidade às qualificações que as mulheres conquistam ao se tornarem mães. Movimentos como HeyMama querem dar visibilidade às qualificações que as mulheres conquistam ao se tornarem mães
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Mães são multitarefa. Elas planejam. Pesquisam, organizam, negociam, gerenciam o tempo e lideram.
Embora o malabarismo que elas façam nunca tenha sido um segredo, seu papel, talvez, nunca tenha sido tão óbvio quanto na pandemia de covid-19.
Com a transição das escolas para o ensino remoto e as mulheres assumindo uma carga física e mental maior na vida doméstica, as habilidades necessárias para manter tudo nos eixos ficaram à mostra.
Como resultado, uma questão que vem cada vez mais à tona é se essas habilidades têm ou não espaço no currículo de mulheres que são mães.
Existe há muito tempo um esforço para reconhecer a maternidade como um trabalho legítimo que capacita as mulheres com habilidades valiosas para os empregadores. E algumas vozes deste movimento estão se fazendo ouvir.
Um dos mais novos responsáveis por isso é a HeyMama, comunidade com sede nos Estados Unidos para mães que trabalham, que lançou uma campanha chamada Motherhood on the Resume (“Maternidade no Currículo”).
É bastante literal, diz Katya Libin, cofundadora e CEO da HeyMama. A organização defende que as mães atualizem seus cargos no LinkedIn, ou até mesmo adicionem a maternidade no currículo, como qualquer outro trabalho “reconhecido”, digamos, na área de vendas ou engenharia.
Essa é uma questão, obviamente, subjetiva.
A questão, no entanto, está em se as mulheres podem colher benefícios tangíveis com isso — ou se alguns preconceitos sistemicamente arraigados em relação à maternidade poderiam produzir o efeito oposto.
Um lugar de direito no currículo?
Em sua essência, Libin diz que a campanha da HeyMama é um esforço para “derrubar alguns dos preconceitos culturais que existem contra mães no local de trabalho e dar às mulheres as ferramentas para reconhecer que a maternidade é um campo de treinamento para liderança e crescimento”.
A pandemia apenas exacerbou a importância de reconhecer o quanto as mães realmente fazem, ela acrescenta, e é por isso que a HeyMama lançou sua campanha agora.
Libin acrescenta que a maternidade fornece habilidades profissionais tangíveis que ela acredita que as mulheres podem “traduzir taticamente” para os empregadores.
As mães são melhores ouvintes, são mais diplomáticas e “superorganizadas”, diz ela.
“O mercado de trabalho atual exige de fato uma comunicação forte e habilidades interpessoais, então acho que ver a maternidade como uma vantagem, em vez de algo que pode ‘destruir uma carreira’ é um dos objetivos principais “, completa.
Os defensores da visibilidade da maternidade como qualificação profissional concordam que a função capacita as mulheres em habilidades profissionais vitais.
“Muitas pesquisas mostram que, de fato, as mães são realmente mais eficientes e melhores mentoras. E quando você leva as mães à liderança… elas acabam sendo mais lucrativas”, diz Lauren Smith Brody, fundadora da The Fifth Trimester, consultoria com sede nos EUA que ajuda as empresas a apoiar e reter funcionários com filhos.
Ela conta que sua pesquisa mostra que as mães também sabem como reduzir o tempo entre as tarefas, o que leva à eficiência e a fortes habilidades de gerenciamento de tempo.
Se os empregadores estiverem dispostos a reconhecer essas habilidades, listar a maternidade entre as qualificações profissionais pode ser vantajoso.
Ressalvas importantes
Mas, embora as mulheres possam estar dispostas a comunicar seus papéis de mães, o mundo do trabalho pode ainda não estar pronto para ouvir.
A resolução de problemas está entre as habilidades que a maternidade poderia desenvolver
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Já existe um precedente de que as “atividades extracurriculares” podem influenciar a maneira como um empregador vê um candidato — o que se manifesta especialmente como um incentivo para os homens.
“Atividades estereotipadamente masculinas são vistas como compatíveis com o que se deseja no local de trabalho — daí a abundância de metáforas esportivas no trabalho e na linguagem da liderança”, diz Michelle Ryan, professora de psicologia social e organizacional da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Portanto, pertencer à equipe de rúgbi da universidade pode comunicar colaboração e trabalho em equipe; assim como treinar para um triatlo pode sugerir um olhar global e determinação.
No entanto, embora os empregadores ainda vejam a maternidade como uma atividade fora do trabalho, não é concedida às mulheres a mesma abordagem. Na verdade, elas podem ser penalizadas.
Estudos mostram há muito tempo que os empregadores consideram as mães menos aptas para empregos e promoções do que quem não tem filhos.
Além disso, uma pesquisa da Kennedy School de políticas públicas da Universidade de Harvard, nos EUA, revela que os empregadores julgam as mães 10% menos competentes do que profissionais que não têm filhos; e as mães são consideradas 12,1% menos comprometidas (enquanto no caso dos pais, este percentual é de 5%).
Além das desvantagens para as mulheres em termos de carreira, também afeta seu potencial de ganhos financeiros no longo prazo.
As mulheres que são mães recebem salários iniciais mais baixos do que candidatos sem filhos — 7,9% menor, de acordo com a pesquisa de Harvard.
Esse tipo de penalização levou muitas mães a adotarem o chamado “secret parenting” — o extremo oposto de alardear a maternidade no currículo.
Mas, segundo Ryan, há algumas notícias promissoras: sua pesquisa com os colegas Thekla Morgenroth e Anders L Sønderlund mostrou que os pais — sobretudo as mães — são cada vez mais “estereotipados como tendo traços e habilidades mais diligentes, como ser autoconfiantes, organizados, independentes e decisivos, o que os torna mais aptos a serem líderes”
Mas, conforme ela adverte, os preconceitos de gênero ainda existem.
E é possível que a pandemia possa até ter consolidado esses preconceitos, levando a aceitação profissional da maternidade na direção errada.
“A pandemia começou, e agora estamos assistindo a mães no Zoom com seus filhos de quatro anos no fundo ou no colo, e reiterando… a penalização da maternidade”, afirma Ruhal Dooley, consultor de RH da Society for Human Resource Management, com sede nos EUA.
“Não sei se a dinâmica que começou há alguns anos manteve o ritmo após esta pandemia.”
A perspectiva de contratação
Obviamente, uma quantidade desproporcional de poder ainda está nas mãos — e nas opiniões — dos recrutadores e dos departamentos de RH.
Há um lado bom nisso: Dooley diz que gerentes de contratação que viram do que suas próprias mães são capazes, ou que também são pais, podem ser mais propensos a ver uma mulher que é mãe de maneira mais positiva.
Podem até mesmo influenciar seus colegas a adotar seu ponto de vista.
Mas a subjetividade e os preconceitos arraigados persistem – e, muitas vezes, prevalecem.
“Há algumas suposições evidentes que influenciam as decisões dos gerentes de contratação”, diz Dooley, “e não há nada de discreto nisso”.
Especialistas dizem que a visibilidade da maternidade durante a pandemia pode ter contribuído para a penalização da maternidade
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Alguns recrutadores podem ignorar as mães porque presumem que elas vão precisar de mais tempo livre ou vão tirar muito proveito de uma política de horário flexível. E ter mulheres avaliando currículos ou em cargos com poder de contratação pode não ajudar aquelas que são mães.
“As mulheres discriminam as mulheres tanto quanto os homens as discriminam”, acrescenta.
Dooley diz que, em última análise, o contexto é tudo aos olhos de um recrutador, que só quer saber como um candidato pode ajudá-lo a preencher sua vaga.
Ele enfatiza que é vital relacionar como as habilidades adquiridas na maternidade fazem da mulher uma forte candidata a uma vaga.
“Se uma mulher é capaz de me mostrar em seu currículo como ser mãe pode torná-la, digamos, uma atuária melhor, sem dúvida, acho que isso a ajudaria — mesmo com as pessoas com preconceitos maternos implícitos.”
O fator de desigualdade
Chamar a atenção para a própria maternidade traz riscos para todas as mulheres. Mas as desvantagens potenciais para algumas são mais significativas do que para outras.
É particularmente o caso das mulheres negras, que já enfrentam preconceito e desigualdade nas contratações que as penalizam antes mesmo de dizerem que têm filhos.
Por exemplo, os dados do Censo dos Estados Unidos mostram que, em 2019, as mulheres negras recebiam apenas 63% do que os homens brancos não hispânicos, e as latinas apenas 55%.
Essas diferenças salariais são muito mais significativas do que o índice de rendimento das mulheres em geral, que é de 82%, em comparação com o mesmo grupo de homens.
Além disso, “quando algo indica que [mulheres negras ou latinas] são mães, ou sua etnia ou nacionalidade sugere implicitamente aos gerentes de contratação que elas são ou se tornarão mães, esse número cai ainda mais”, diz Dooley.
Assim, além da penalização da maternidade, as mulheres negras e latinas podem enfrentar uma espécie de “dupla penalização”, acrescenta.
“Há uma percepção de que a maternidade de alguma forma vai interferir em sua capacidade de ter um desempenho à altura e além.”
Em muitos aspectos, a possibilidade de anunciar a maternidade em um ambiente profissional é um privilégio e um risco que apenas algumas mulheres podem correr — como as brancas ou em famílias com duas rendas.
“Normalizar a maternidade é importante e vai ajudar a mudar as expectativas e a cultura organizacional”, diz Ryan.
“Mas também pode ter um impacto sobre as mulheres que optam por fazer isso, já que pode gerar estereótipos como falta de compromisso ou ambição.”
Adicionar ou não adicionar?
Qual é a resposta, então? Os aspectos positivos superam os riscos?
Isso depende da candidata. Por exemplo, embora adicionar o cargo de “mãe” possa parecer empoderador, ainda é arriscado, já que as mulheres não sabem quem está do outro lado lendo o currículo.
Como Dooley observa, o preconceito implícito é um grande fator, e a própria experiência do recrutador pode indicar não apenas como ele vê a maternidade como uma função, mas também se acha que é profissional colocar a mesma como cargo em um currículo.
As mães precisam entender os prós e os contras — assim como saber para quem estão falando.
O risco de penalização pode ser maior em organizações menos progressistas ou em áreas dominadas por homens, em que pode haver menos movimento no sentido de abraçar a maternidade como um significante de habilidade e mais preconceitos arraigados sobre a aptidão das mães para trabalhar.
Mas sentir o clima de um empregador em potencial vai além de uma decisão sobre como apresentar um currículo: também é importante como um significante mais amplo da cultura de uma empresa em relação à maternidade.
“Se você está analisando um ambiente, e esse ambiente não é acolhedor para mães, você tem que se perguntar se deseja trabalhar em um lugar como esse”, diz Smith Brody, da The Fifth Trimester.
Posteriormente, ela acrescenta, se um número suficiente de mães se recusar, isso poderia ajudar a impulsionar uma mudança cultural maior, uma vez que estudos mostram que as empresas não lucram tanto quando mulheres talentosas deixam as organizações (ou simplesmente não entram).
Ainda assim, “serão necessárias algumas pessoas renegadas que se sentem à vontade em colocar ‘mãe’ com caixa alta, e alguns gerentes renegados que vão anunciar o fato”, acrescenta Smith Brody.
Dooley concorda. “O início de um movimento de mulheres dizendo em seus currículos, ‘ei, eu sou mãe, me levem em consideração extra por causa disso’ — mesmo se estiverem certas… estas serão as que estão se sacrificando.”
No momento, as mães precisam entender que adicionar ‘mãe’ ao currículo não é padrão.
É difícil saber se um número crescente de “renegadas” dispostas a “se sacrificar” pode fazer a diferença para as mulheres.
Dooley acredita que, à medida que os gerentes de contratação recrutarem mães e as virem se destacando, ressaltar a maternidade pode ser uma vantagem.
Por enquanto, no entanto, as mães devem reconhecer que o movimento continua sendo de base — e que adicionar a maternidade em seus currículos continua sendo um risco até que se torne uma prática comum.
Mas se conseguirem mudar a atitude corporativa no longo prazo e as candidatas mulheres pararem de tentar se apresentar como homens, os benefícios potenciais — tanto para o trabalhador quanto para o empregador — podem ser positivos.
Smith Brody tem esperança de que a normalização da maternidade seja possível — e possa acontecer rapidamente.
Ela acredita que o cargo de “mãe” está caminhando em direção a uma aceitação mais ampla nos locais de trabalho, e os empregadores estão cada vez mais vendo isso como um ativo — algo que é “não apenas mais socialmente aceitável, como mais socialmente recompensável”.
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