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Ricardo Salles: 10 'canetadas' e polêmicas que marcaram a gestão no Meio Ambiente

De investigado pela PF por envolvimento na exportação ilegal da madeira à defesa do garimpo em terras indígenas, a gestão de Salles chegou a ganhar prêmio por “calar sociedade civil” e “desproteger povos indígenas”. Foto de arquivo de 22 de abril de 2021 do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante entrevista coletiva so Salão Leste do Palácio do Planalto, em Brasília.
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro exonerou, nesta quarta-feira (23), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele permaneceu a frente da pasta por mais de dois anos e sua gestão foi marcada por uma série de polêmicas e medidas que colocaram em risco a proteção ambiental.
A exoneração ocorre enquanto Salles é investigado por suspeita de envolvimento em um esquema de exportação ilegal de madeira. As investigações apuram suspeita de facilitação à exportação ilegal da matéria-prima do Brasil para os Estados Unidos e Europa.
Neste ano, o ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, disse que Ricardo Salles “defende infratores ambientais”. Saraiva levou até o Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o ministro e o senador Teomário Mota (PROS-RR) pelo suposto beneficiamento de madeireiros ilegais na Amazônia, o que facilita a grilagem de terra na Região Norte.
A mais famosa das polêmicas, contudo, foi a afirmação, feita por Salles durante reunião ministerial no passado, de que o governo aproveitasse a pandemia da Covid-19 para “ir passando a boiada” nas leis ambientais.
A gestão Salles também foi marcada por:
Retirada da participação da sociedade civil do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
Revogação de resoluções que protegiam restinga e mangue
Liberação da queima de lixo tóxico em fornos para cimento
Paralisação do Fundo Amazônia
Avanço do garimpo em áreas protegidas e unidades de conservação
Desmonte dos órgãos de proteção ambiental, como Ibama e ICMBio
Suspensão das multas ambientais
“Pedalada ambiental” no Acordo de Paris
Recordes históricos de desmatamento na Amazônia
Suspensão dos brigadistas durante recorde de queimadas no Pantanal
Regras ambientais derrubadas e disputa judicial: entenda trajetória das decisões de Salles
1.Sociedade sem participação no Conama
Em 2019, o governo reduziu e alterou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O colegiado, que contava com 96 conselheiros, entre membros de entidades públicas e de ONGs, passou a ter 23 membros titulares, incluindo seu presidente, o então ministro Ricardo Salles (veja o vídeo abaixo).
Representantes da sociedade civil e entidades trabalhistas, que tinham 22 assentos no Conama, passam a ter quatro. O decreto também acabou com a eleição desses integrantes.
A desarticulação do Conama rendeu até prêmio internacional para o Brasil: o país ganhou em duas categorias o prêmio Fóssil do Ano em 2020 por “calar sociedade civil” e “desproteger povos indígenas”. Os organizadores destacam a repressão aos grupos da sociedade civil que resistem às políticas de desmonte ambiental e lutam pelos direitos das comunidades indígenas.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, é o principal órgão colegiado do Ministério do Meio Ambiente. É responsável por estabelecer os critérios para licenciamentos ambientais, além de normas e controles, como definir, por exemplo, que tipo de motor de carro pode ser usado no país.
2. Retirada da proteção das restingas e manguezais
O governo federal revogou, em setembro de 2020, a resolução do Conama que protegia toda a extensão dos manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, classificadas como Áreas de Preservação Permanente (APP).
“(…) nós perdemos a proteção da faixa dos 300 metros a partir da praia-mar, e isso significa um grande boom imobiliário de resorts, de empreendimentos em todo o Brasil que seriam beneficiados com esse desguarnecimento de um compartimento ambiental importantíssimo”, analisou na época Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental).
Na data, as resoluções que protegia os entornos de reservatórios d’água e que disciplinavam o licenciamento ambiental para projetos de irrigação também foram revogadas.
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As resoluções revogadas pelo Conama não prosperaram, contudo, porque a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a decisão do Conselho sobre desproteger as áreas de mangue e restinga.
3. Queima de lixo tóxico em fornos para cimento
Ainda em setembro do ano passado, o Conama aprovou a queima de resíduos agrotóxicos e de lixo tóxico em fornos usados para a produção de cimento.
O argumento usado para defender a nova resolução foi que a queima dessas substâncias vai diminuir a quantidade de resíduos sólidos. Contudo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a queima de lixo tóxico seja feita em ambientes controlados, já que podem causar danos à saúde da população.
4. Paralisação do Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia, que capta doações de países estrangeiros para projetos de preservação e fiscalização do bioma, tem cerca de R$ 2,9 bilhões parados e está sem atividade desde o início da gestão Salles.
Em maio de 2019, o agora ex-ministro tentou mudar as regras do Fundo e anunciou a intenção de destinar os recursos captados – que deveriam ser aplicados nas políticas de proteção da Amazônia – para indenizar proprietários de terras. Salles também afirmou na época haver indícios de irregularidades nos contratos firmados com ONGs, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse a afirmação.
Contrários às falas de Salles, a Noruega suspendeu repasses ao Fundo Amazônia de R$ 133 milhões e a Alemanha anunciou corte de até R$ 155 milhões.
5. Defesa do garimpo em áreas protegidas e unidades de conservação
O G1 apurou que, ao longo de 2019 e 2020, desmatamento causado pela atividade mineradora registrou recordes e avançou sobre áreas de conservação na Amazônia. A série histórica do Deter/Inpe, que compila dados desde 2015, aponta que o mês com a maior devastação foi maio de 2019, com 34,47 km² desmatados. Em seguida, ficou julho de 2019 com 23,98 km². Além disso, 2020 teve os piores junho (21,85 km²), agosto (15,93 km²) e setembro (7,2 km²) da série.
Em abril de 2019, o ministro Ricardo Salles exonerou o diretor de fiscalização ambiental do Ibama depois de reportagem do Fantástico sobre uma operação em larga escala contra o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas no estado do Pará.
Em 2019, o MPF questionou o comando da Aeronáutica sobre um voo realizado em 6 de agosto para transportar garimpeiros dentro da TI Munduruku para uma reunião com Salles, em Brasília. O então ministro esteve no local um dia antes, durante uma operação do Ibama contra o garimpo. Lá, ele se encontrou com garimpeiros alvos da operação e foi cercado por um grupo pró-garimpo. O ministro, então, conversou com o grupo e chegou a defender a extração ilegal em terra indígena.
6. Desmonte dos órgãos de proteção ambiental
No ano passado, em meio a uma megaoperação para barrar o avanço do garimpo em terras indígenas na Amazônia, Salles exonerou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo. A operação coordenada por Azevedo havia conseguido na época paralisar todas as operações de garimpo e exploração ilegal de madeira em três terras indígenas no Pará.
Em abril deste ano, mais de 400 servidores de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um ofício afirmando que todas as atividades de fiscalização de infrações ambientais desenvolvidas pelo órgão estavam paralisadas.
Em maio, Salles substitui as 11 coordenações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por cinco gerências regionais. Na prática, a portaria retirou do papel as medidas definidas por um decreto presidencial de fevereiro, que extinguiu postos de chefia.
Porém, os cinco gerentes regionais passaram a ganhar mais — eles ocupam o cargo DAS 4, graduação mais bem remunerada no serviço público. Desses, somente um é funcionário de carreira do ICMBio.
7. Suspensão das multas ambientais
As multas por desmatamento ilegal na Amazônia foram praticamente suspensas desde outubro de 2019 devido a um decreto do governo federal. Em 2019, o governo aplicou menos de 3 mil autos de infração na Amazônia pela primeira vez em 20 anos.
Dados apurados pelo G1 em outubro de 2020 mostraram que as autuações de crimes ambientais na Amazônia feitas pelo Ibama, consequência das fiscalizações em campo, despencaram 62% em comparação com 2019: apenas 3 de quase mil autuações por desmate na Amazônia em 2020 foram quitadas.
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8. “Pedalada ambiental” no Acordo de Paris
Em dezembro de 2020, o Acordo de Paris completou cinco anos e todos os países signatários tiveram que apresentar novas versões dos compromissos assumidos em 2015. Ao invés de apresentar uma meta mais ambiciosa, Salles apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais de gases do efeito estufa do que o previsto na meta original.
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O episódio ficou conhecido como “Pedalada ambiental”, já que a nova meta do Brasil apresentada por Salles no Acordo de Paris agora permite desmate 78% maior em 2025 do que no período anterior a Bolsonaro.
9. Recordes históricos de desmatamento na Amazônia
O desmatamento em toda a Amazônia em 2020 foi o maior em uma década. Foram mais de 8 mil km² de floresta derrubada entre janeiro e dezembro do ano passado.
Em vários momentos, a Justiça precisou determinar que os órgãos ambientais tomassem ações imediatas para conter o desmatamento na Amazônia.
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10. Suspensão dos brigadistas durante recorde de queimadas no Pantanal
Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente anunciou a suspensão de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e às queimadas no Pantanal. Segundo Salles, a suspensão foi motivada por bloqueio de R$ 60,6 milhões em verbas do Ibama e do ICMBio determinado pelo governo.
Outras paralisações dos brigadistas se seguiram em 2020, mesmo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostrando que o número de focos de incêndio registrados na Amazônia de janeiro a setembro já era o maior desde 2010. No caso do Pantanal, 14% do bioma foi queimado apenas em setembro, a maior devastação anual do território causada pelo fogo desde o início das medições, em 2002, pelo governo federal.
No mês seguinte à divulgação destes dados do Inpe, o Ibama determinou mais uma vez que as brigadas de incêndios florestais interrompessem os trabalhos em todo o país alegando falta de dinheiro.

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