Grupo de trabalho com membros militares se reúne desde o ano passado. Conteúdo dos encontros, entretanto, tem sido omitido das atas. Ricardo Salles em coletiva
TV Brasil/Reprodução
Em outubro de 2020, o Ministério do Meio Ambiente tornou pública sua intenção de fundir dois órgãos de proteção ambiental com características bastante distintas — o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Por meio da portaria nº 524, a pasta criou um grupo de trabalho “para análise de sinergias e ganhos de eficiência em caso de fusão” entre as duas autarquias.
Desde então, uma equipe pequena, formada em parte por militares, tem se reunido para debater o tema — sem, entretanto, divulgar o teor das discussões. Entre os presentes está o número 2 da pasta, o secretário-executivo Luís Gustavo Biagioni, PM aposentado.
Contrariando o princípio da publicidade e da transparência na administração pública, as atas das reuniões, obtidas pela imprensa e por organizações da sociedade civil por meio da Lei de Acesso da Informação (LAI), não dão detalhes sobre o que está sendo conversado.
Econômicas, elas só listam os nomes dos envolvidos e os horários de início e fim dos encontros. Também não há previsão de divulgação de relatório final do grupo de trabalho, que, após ser prorrogado, deve funcionar até junho .
No último dia 21 de fevereiro, a Procuradoria da República no Amazonas (MPF-AM) enviou ofício à pasta pedindo esclarecimentos sobre o assunto.
Os procuradores questionavam, por exemplo, quais critérios estão sendo considerados para avaliação da hipótese de fusão entre Ibama e ICMBio, se havia análises técnicas sobre os ganhos e perdas de um processo como esse ou a intenção de ouvir servidores, cientistas especializados no tema e representantes das comunidades possivelmente impactadas.
O ofício dava 20 dias para a pasta responder. O Ministério do Meio Ambiente afirmou à procuradoria, contudo, que não se manifestaria. Por meio de sua assessoria de imprensa, o MPF-AM disse estar avaliando as medidas que serão adotadas diante da recusa.
A reportagem questionou a pasta sobre o tema, mas não obteve retorno.
Eu audiência pública organizada pelo MPF-AM em fevereiro para discutir a possibilidade fusão entre as autarquias e falta de transparência das discussões que têm ocorrido no âmbito do governo, especialistas ressaltaram que, apesar de serem órgãos de proteção ambiental, ICMBio e Ibama têm atividades finalísticas diferentes. Um fusão, portanto, poderia resultar em perdas em termos de resultados para ambos.
O Meio Ambiente foi convidado a participar do evento virtual, mas optou por não participar do debate.
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Orçamento é menos da metade do autorizado em 2018
Os questionamentos entram no escopo do inquérito civil instaurado pelo MPF-AM para apurar um suposto desmonte do ICMBio.
Há meses especialistas alertam que o instituto vem tendo suas funções esvaziadas, seja por falta de verba ou pelos obstáculos colocados pelo ministério para que as atividades sejam realizadas.
O ICMBio é responsável pelas 334 unidades de conservação federais que se espalham pelo equivalente a 9,1% do território do Brasil. Entre elas estão os parques nacionais do Iguaçu, do Pantanal Matogrossense, da Tijuca, da Serra da Capivara, da Serra da Canastra, da Chapada dos Guimarães, da Chapada da Diamantina e de Abrolhos.
Além da função de gerir e fiscalizar o cumprimento das normas ambientais nesses espaços, ele também tem como missão fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade do país.
Cumprir esses papéis, entretanto, tem ficado cada vez mais difícil. O orçamento enviado sancionado por Bolsonaro no último mês de abril foi mais um golpe nesse sentido.
“O orçamento do Meio Ambiente está matando o ICMBio de fome”, diz a ex-presidente do Ibama Suely Araújo.
Ela chama atenção para a principal fonte de recursos para as atividades operacionais da autarquia, identificada no orçamento como ação 20WM, de “apoio à criação, gestão e implementação das unidades de conservação federais”.
A rubrica vem sofrendo cortes desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. O mais severo veio neste ano — uma redução de 34,2% sobre o total autorizado em 2020, que já era, por sua vez, 32,7% menor do que o aprovado em 2019.
Em 2021, a verba ficou em R$ 73,3 milhões, menos da metade do valor aprovado em 2018, R$ 180,6 milhões, em valores nominais. Considerando-se a inflação do período, a diferença seria ainda maior.
Buraco de R$ 60 milhões
“Vai começar a faltar combustível para fazer as operações diárias, para viagem, para os fiscais irem a campo”, disse à BBC News Brasil o vice-presidente da Associação dos Servidores do Sistema Ambiental Federal (Ascema), Denis Rivas.
O alerta também foi feito em março pelo então diretor de Planejamento, Administração e Logística (Diplan) da autarquia, Ronei Alcântara da Fonseca, ao presidente do ICMBio, Fernando Lorencini.
Em ofício, ele afirmava que o instituto necessitava de pelo menos R$ 60 milhões para dar continuidade às suas atividades básicas. Sem os recursos, além de cortar passagens aéreas e limitar a circulação da frota do instituto, a autarquia teria de suspender o trabalho de brigadas de incêndio e os serviços de aeronaves para combate a incêndios florestais.
“O orçamento deixa muitas marcas, mas tão ruim quanto um orçamento reduzido é a falta de pessoal técnico qualificado para executar as tarefas”, acrescenta Rivas.
Assim como em outros ministérios do governo Bolsonaro, no Meio Ambiente o corpo de técnicos qualificados vem sendo substituído por pessoas sem experiência nos assuntos abrangidos pela pasta.
Isso explicaria, por exemplo, o atraso em mais de um mês no ano passado na contratação das brigadas de incêndio para as ações de prevenção à queimadas, diz ele.
“Nesse caso não foi pela falta de recursos, e sim porque eles estavam cheios de gente inexperiente, que acabou batendo cabeça e atrasando a contratação.”
O pessoal qualificado que permanece na autarquia, por sua vez, tem tido dificuldade para trabalhar.
O mais recente empecilho veio na forma de uma nova Instrução Normativa Conjunta, editada poucos dias antes de o presidente Jair Bolsonaro afirmar na Cúpula do Clima que dobraria os recursos destinados à fiscalização.
A INC 01 acabou criando novos obstáculos para a atuação dos servidores e dificultando a aplicação de multas ambientais.
Inicialmente, entre outros pontos, a norma estabelecia uma burocracia prévia para que os funcionários pudessem fazer uma ação fiscalizatória, como a necessidade de apresentação de um relatório detalhado antes ainda da lavratura do auto de infração.
Em 28 de abril, após a repercussão negativa, a pasta modificou esse ponto e inverteu a ordem, mantendo o auto de infração como uma etapa anterior aos relatórios.
A alteração, contudo, foi pontual. O texto manteve que o relatório de fiscalização deve ser submetido a um “superior hierárquico” para que o processo administrativo de apuração de infração ambiental tenha prosseguimento.
Diante da militarização da pasta e das indicações políticas para cargos de chefia no ministério, ambientalistas temem que parte dos processos seja barrada nestas instâncias hierárquicas superiores.
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