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Servidores do Ibama denunciam que fiscalização ambiental está paralisada após decisão de Salles

Categoria reage contra nova regra do Ministério do Meio Ambiente, que obriga que a multa dada por um fiscal passe antes pela autorização de um superior. Fiscal do Ibama durante fiscalização de Madeira Florestal
Vinícius Mendonça – Ibama
Mais de 400 servidores de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um ofício, publicado na segunda-feira (19), no qual afirmam que todas as atividades de fiscalização de infrações ambientais desenvolvidas pelo órgão estão paralisadas.
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Endereçado ao presidente do Ibama, Eduardo Bim, o documento afirma que a interrupção dos serviços se deve a uma instrução normativa conjunta do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), publicada em 12 de abril de 2021.
“(…) Mesmo que o agente constate a infração em flagrante, este não deverá lavrar a multa ou qualquer outro termo e sim emitir um relatório, sendo que não há prazo para emissão da análise deste relatório pela autoridade hierarquicamente superior”, denunciam os servidores.
A TV Globo entrou em contato com o ministério e o Ibama, mas não obteve retorno até a mais recente atualização desta reportagem.
Novo marco negativo
O ofício é mais um marco negativo para a imagem ambiental do Brasil às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o clima, marcada para quinta (22) e sexta-feira (23). O presidente americano Joe Biden recepcionará 40 chefes de Estado, entre eles Bolsonaro, em um evento on-line. Será uma espécie de preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, prevista para novembro.
Enquanto John Kerry, enviado especial do governo americano sobre o Clima, cobra ações imediatas, a gestão federal é questionada. Recentemente, o ministro do meio ambiente de Bolsonaro foi alvo de notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal pelo então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva. Ele afirma que Salles dificultou ação de órgãos ambientais. Saraiva aponta a possibilidade de ocorrência dos crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e o crime de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público.
Salles, ao lado do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, é alvo de uma ação popular na Justiça de São Paulo por causa da “pedalada” climática do governo cometida em dezembro ao apresentar uma nova meta ao Acordo de Paris, regredindo seu compromisso de diminuir os gases do efeito estufa.
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Burocracia para registrar infrações
De acordo com a nova instrução normativa, as infrações ambientais agora terão que ser autorizadas por um superior do agente que aplicar a multa. Na prática, os servidores dizem que a nova regra cria a figura de “uma espécie de censor, com ampla e irrestrita discricionariedade”, que deverá validar e comprovar toda sanção ambiental feita pelos fiscais.
Ainda de acordo com o ofício, as constatações do fiscal em campo, a partir de agora, serão um mero “relatório”, que deverá ser analisado pelo superior, mas sem prazo para emitir qualquer conclusão.
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Insegurança e falta de sistema
A medida, segundo os servidores, criou um ambiente de “insegurança jurídica e administrativa para todos os servidores envolvidos neste rito, fiscais, técnicos, analistas ambientais e administrativos”.
Os servidores afirmam ainda que as medidas necessárias para implementação das mudanças não foram aplicadas internamente, e por isso, “sistemas corporativos” não estão preparados para o processamento da nova burocracia estatal.
“Em face disso, todos os servidores que assinam o presente carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias, IBAMA e ICMBio, que não providenciaram os meios necessários junto aos sistemas e equipamentos de trabalho disponíveis para o exercício da atividade de fiscalização ambiental federal, análise e preparação para julgamento de processos de apuração de infrações ambientais”, diz trecho do ofício.
Perplexidade
Ainda na carta, os servidores afirmam que “viram com perplexidade a paralisação de todo o processo sancionador ambiental ocasionado pela publicação” da norma.
O documento também alerta que os crimes ambientais cresceram “de forma exponencial” nos últimos dois anos e que a paralisação dos serviços de fiscalização representa “prejuízos sem precedentes” ao meio ambiente do país.
Eles ainda ressaltam o aumento do desmatamento da Amazônia e o aumento das queimadas no período.
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Responsabilização do servidor
O ofício explica que, diante da impossibilidade de trabalharem sem as adequações exigidas na nova instrução normativa, gestores do Ibama Sede orientaram, de maneira formal, que os servidores continuassem utilizando os sistemas da forma em que se encontram disponíveis, seguindo o rito processual da Instrução Normativa Conjunta anterior, revogada na semana passada.
Contudo, por medo de serem responsabilizados, os servidores informam no documento que não retornarão ao trabalho de fiscalização enquanto as administrações do Ibama e ICMBio se adequem à normativa.
“Tais orientações (…) na verdade soam como tentativa de dividir com os servidores a responsabilidade pelas sérias consequências causadas pela publicação dessa INC pela atual gestão do MMA, IBAMA e ICMBio (…). Por isso, invocando o princípio da precaução, seguiremos aguardando as administrações do IBAMA e ICMBio evoluírem para a disponibilização dos meios para que o trabalho seja realizado conforme a norma válida”.
Cargos loteados
Em nota sobre a nova instrução normativa, o Observatório do Clima explica que um dos problemas da criação desta espécie de censor e validador das ações do fiscal é que os cargos de chefia tanto no Ibama como no ICMBio foram loteados com pessoas indicadas pela atual gestão, que não são servidores concursados, como os policiais militares de São Paulo escolhidos por Salles para comandar a fiscalização.
Alertas anteriores
Em julho do ano passado, 600 servidores do Ibama publicaram carta aberta dirigida ao vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, pedindo que medidas fossem tomadas para se frear o aumento do desmatamento na Amazônia.
Em 2019, os servidores já tinham feito um alerta ao governo federal sobre a disparada do desmatamento na região em outra carta aberta. Em ambos os documentos, eles afirmaram que as medidas sugeridas foram ignoradas pelas autoridades.

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