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Como a pandemia 'bagunçou' a economia brasileira em 2020

Entenda os efeitos da crise trazida pelo coronavírus no consumo, inflação, desemprego, dívida pública e nos setores produtivos. Movimento na região da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, em imagem de novembro.
CRIS FAGA/ESTADÃO CONTEÚDO
A pandemia de coronavírus derrubou a economia global em 2020 – e o Brasil não ficou imune ao abalo provocado pelas restrições impostas à atividade econômica, pela queda na renda das famílias e pelos adiamentos de investimentos e projetos empresariais e pessoais.
Veja abaixo as principais consequências da crise no Produto Interno Bruto (PIB), no mercado de trabalho, nas contas públicas e em outros indicadores da economia brasileira:
Impactos na indústria, comércio e serviços
A necessidade de isolamento social para conter o avanço da Covid-19 fez os principais setores da economia entrarem em queda livre. A princípio, a indústria foi mais prejudicada, pois somou uma redução brusca de demanda com a paralisação da produção.
Mas, a partir do ponto mais crítico da crise, entre abril e maio, cada setor teve uma retomada em dinâmicas diferentes. Com as políticas de incentivo fiscal e preservação do emprego criadas pelo governo federal, beneficiaram-se a indústria e o comércio de bens. O grande vencedor foi o comércio eletrônico, que registrou altas recordes de faturamento mês a mês e a adesão de novos clientes em ambiente digital.
Evolução da indústria, comércio e serviços em 2020
G1 Economia
Já o setor de serviços ficou para trás — caso de bares, restaurantes, turismo e tantas outras atividades que demandam a presença do consumidor.
“A mudança de padrão de consumo das famílias fez da recuperação muito desigual. O varejo atingiu níveis muito maiores que o pré-pandemia e deve cair quando houver segurança para consumir serviços”, afirma Juan Jensen, economista e sócio da 4E Consultoria.
Para Jensen, a chegada da vacina deve reposicionar as curvas de cada setor mais ao centro, já que não haverá uma ampliação da massa salarial em 2021. Conforme a economia se normaliza, haverá uma queda inicial do comércio e alta mais vigorosa dos serviços.
Consumo
As principais medidas de resgate tomadas pelo governo durante a crise focaram no incentivo ao consumo. Além do Auxílio Emergencial, que despejou sozinho mais de R$ 300 bilhões na economia, houve a permissão de saque do FGTS emergencial, que tentou recompor as perdas de renda da população com a pandemia.
Pelos cálculos da 4E Consultoria, ainda haverá queda da massa efetiva de renda da ordem de 4,9% em relação ao ano passado. Mas, não fossem as medidas de incentivo, a redução seria de 12,6%.
Com auxílio emergencial, poupança tem saldo recorde no ano
As medidas foram fundamentais para resultados tão positivos como os do comércio. Como houve restrição mais severa do consumo de serviços, surgiram dois efeitos: maior concentração de gastos em itens básicos e crescimento da taxa de poupança.
“Para famílias mais pobres, o Auxílio Emergencial triplica a renda e valeu para intensificar compras no mercado, por exemplo. Para quem ganha um pouco mais, a flexibilização da circulação ajudou a aumentar a renda”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Pelos cálculos do Ibre/FGV, a procura por alimentos e a desvalorização cambial fez subir, em média, 67% dos custos de produtividade industrial, trazendo de volta as preocupações com a inflação. (leia mais abaixo)
“Não há estrutura produtiva que aguente. Temos visto um espalhamento maior do aumento de preço em bens duráveis, vestuário, eletrodomésticos etc.”, afirma.
Inflação
O descompasso entre oferta e demanda, a desvalorização do real e a retomada econômica da China resultaram em uma combinação perversa para a inflação em 2020. Os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vai encerrar 2020 acima do centro da meta do governo, de 4%. No auge da crise, em junho, a projeção era pouco superior a 1,5%.
Com as medidas de distanciamento social, o Brasil enfrentou inicialmente uma crise de oferta, seguida por uma de demanda. As empresas tiveram de paralisar parte ou toda a produção, e a renda de boa parte da população foi interrompida.
Inflação: entenda o que está por trás da alta nos preços dos alimentos e aluguéis
Com o Auxílio Emergencial, o país conseguiu retomar a demanda, mas sem que a produção das empresas acompanhasse o mesmo ritmo — resultando em alta dos preços em vários grupos da economia, sobretudo em alimentos e bens industriais.
“Vários setores ficaram com uma oferta desbalanceada e com pouca capacidade de responder de forma rápida a uma volta da demanda”, afirma o sócio e economista da Kairós Capital, André Loes.
Nesse cenário de descompasso, somaram-se ainda a desvalorização do real e a pressão de custo das matérias-primas, influenciadas pelo mercado doméstico e também por uma demanda crescente da China. O gigante asiático é um grande importador de commodities do Brasil — minério de ferro e soja, por exemplo —, e qualquer aumento de compra externa tem potencial para provocar uma alta de preços internamente.
“A retomada da China foi robusta e provocou uma ‘minibolha’ nos preços de commodities”, afirma o CEO da Fator Administração de Recursos, Paulo Gala.
Além da crise sanitária, a perda de valor da moeda brasileira tem como pano de fundo as incertezas dos investidores com o rumo das contas públicas. O impacto dessa desvalorização fica evidente no IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado). Conhecido como a inflação do aluguel e muito sensível ao comportamento do dólar, o IGP-M deve terminar este ano com uma alta superior a 20%.

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Mercado de trabalho
Mesmo com as medidas de auxílio lançadas pelo governo, a taxa de desemprego veio renovando recordes desde julho no país, à medida que os trabalhadores que perderam sua ocupação na pandemia passaram a buscar um emprego após o relaxamento das medidas de restrição e redução do valor do Auxílio Emergencial.
De acordo com o último dado oficial, o desemprego saltou para 14,6% no 3º trimestre encerrado em setembro, afetando 14,1 milhões de brasileiros, com uma perda de 11,3 milhões de postos de trabalho em 12 meses e com mais da metade da população em idade para trabalhar sem ocupação.
Evolução da taxa de desemprego
Economia G1
Entre os trabalhadores com carteira assinada que conseguiram manter os empregos, quase 10 milhões (cerca de um terço do total) tiveram redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.
Os mais afetados pela pandemia foram os informais. Em outubro, o país registrou o 4º mês seguido em que as contratações com carteira assinada superaram as demissões. No acumulado dos 10 primeiros meses deste ano, porém, houve a perda de 171.139 empregos formais.
Com a recuperação ainda tímida do mercado de trabalho, o rendimento médio do brasileiro correspondeu em outubro a 92,8% da renda média habitual, com os trabalhadores por conta própria sendo os mais atingidos pela queda de renda em razão da natureza da atividade, mais dependente de contato presencial e da retomada de uma rotina sem restrições.
Explosão da dívida pública
Os gastos federais anunciados para combater os efeitos da pandemia já somam R$ 615 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. A resposta do governo para a crise garantiu algum alívio para empresas e trabalhadores que se viram, de uma hora para a outra, sem renda. Mas também provocou uma explosão da dívida pública, elevando as preocupações sobre a saúde das contas públicas e sustentabilidade fiscal do Brasil.
A dívida bruta do setor público, que no final do ano passado estava em 75,8% do PIB (Produto Interno Bruto), superou em 2020 a marca inédita 90% do PIB. E tende a continuar em trajetória de alta diante da perspectiva de recuperação lenta da economia e incertezas sobre a aprovação de reformas estruturais.
“A pandemia foi um choque fiscal de tal magnitude que exigiria um choque de credibilidade e de atuação por parte do governo, que não foi visto e acho difícil de ver acontecer pela frente”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, criticando a falta de um plano crível e executável de estabilização da trajetória da dívida.
Em relatório sobre o Brasil divulgado no começo de dezembro, o FMI (Fundo Monetário Internacional), projeta que a dívida pública bruta irá saltar para 100% do PIB e que continuará elevada no médio prazo.
Piora nas contas públicas
Economia G1
No acumulado no ano até outubro, as contas do setor público consolidado apresentaram déficit primário de R$ 632,9 bilhões, caminhando para o pior ano já registrado na série histórica do Banco Central e o 7º ano seguido com as despesas do governo superando as receitas de impostos e contribuições. Pelas projeções atuais do mercado, o Brasil só deverá voltar a registrar superávits a partir de 2026.
Investimentos
A pandemia afetou o rumo dos investimentos no Brasil. Sem uma clareza de quando a crise sanitária vai ser plenamente superada e a economia vai poder retomar a sua plena capacidade, os empresários postergaram qualquer tipo de plano de expansão neste ano.
No terceiro trimestre, os investimentos até cresceram 11%, mas não conseguiram superar a queda de 16,5% no trimestre anterior. No acumulado do ano, a queda é de 5,5%.
Investimento no Brasil cairá na década pela 1ª vez desde os anos 80, aponta estudo
Há ainda a incerteza fiscal. Com a pandemia, o endividamento do governo deve se aproximar de 100% do PIB neste ano, um patamar considerado alto para uma economia emergente como a brasileira.
A principal dúvida na área fiscal é se o governo vai manter o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Na leitura do mercado, uma eventual deterioração das contas públicas pode levar a uma fuga de investidores do país, o que provocaria uma depreciação do câmbio e um consequente aumento da taxa básica de juros – hoje em 2% ao ano.
Juros mais altos encarecem a tomada de crédito pelas empresas para realizar novos investimentos.
Governo não realiza nenhuma privatização
Paulo Guedes se diz ‘bastante frustrado’ por não ter conseguido vender estatais
O baixo volume de investimentos no país em 2020 refletiu também a maior dificuldade do governo em avançar na sua agenda de privatizações e concessões, com muitos leilões sendo adiados e virando agora promessa para 2021 e 2022.
A lista de promessas frustradas no ano inclui, entre outros, o leilão do 5G, 22 aeroportos, 6 rodovias, 2 ferrovias e a venda de ao menos 6 estatais, incluindo a privatização da Eletrobras.
Em novembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu estar “bastante frustrado” por não ter conseguido concluir a venda de nenhuma estatal em 2 anos de governo.
A privatização mais aguardada continua sendo a da Eletrobras, que é avaliada em cerca de R$ 60 bilhões e depende de aval do Congresso para ter seu controle transferido para o setor privado.

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