União Pró-Vacina apontou que 65 publicações com 3,8 milhões de visualizações permanecem online e causam dano social mesmo após mudança em diretrizes. Grupos exploram tema para lucrar, afirma pesquisador. Governo anuncia a compra de 147 câmaras refrigeradas para armazenamento de vacinas contra a Covid-19
Reuters via BBC
Mesmo após mudanças em diretrizes, o YouTube manteve no ar ao menos 65 vídeos com informações falsas sobre a vacina da Covid-19, aponta um estudo da União Pró-Vacina (UPVacina), ligada à USP de Ribeirão Preto (SP).
Entre os conteúdos alarmistas e sem nenhuma fundamentação científica, há posts que datam desde março deste ano, que geram recursos financeiros tanto para a empresa quanto para produtores de 37 canais, com mais de 8 milhões de inscritos e 3,8 milhões de visualizações até 22 de outubro, de acordo com o instituto.
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A permanência desses vídeos na internet não só está associada à sofisticação dos posts, com estratégias para driblar algoritmos de monitoramento e reduzir as chances de bloqueio, como também a brechas nas diretrizes do YouTube, que, segundo o fundador da UPVacina, João Henrique Rafael Junior, permitem com que nem todos os conteúdos sejam considerados falsos.
“Dentro dessas diretrizes, a explicação que eles dão é de que existe conteúdo falso, conteúdo verdadeiro e conteúdos que ficam nessa zona cinza, que chamam de zona limítrofe. Para evitar o que chamam de uma ação drástica, eles falam que, para esses vídeos que estão na zona limítrofe, diminuem a recomendação e fazem aparecer menos”, afirma.
Em nota, o YouTube informou ao G1 que a empresa não foi procurada pelos autores da pesquisa e, portanto, não tem como comentar a metodologia utilizada e os resultados encontrados. No entanto, afirmou que as políticas são constantemente atualizadas.
“Temos o compromisso contínuo de fornecer informações úteis e confiáveis, e atualizamos nossas políticas para abordar tendências emergentes de desinformação, especialmente neste momento crítico que estamos vivendo. Desde fevereiro, já removemos centenas de milhares de vídeos relacionados à Covid-19 por infringirem nossa política sobre informações médicas incorretas relacionadas à doença.”
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Dado Ruvic/Reuters
Desinformação sobre a vacina
Fundada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, a União Pró-Vacina conta com representantes de diferentes órgãos científicos e de saúde que, desde o ano passado, monitoram grupos que estimulam a desinformação contra as vacinas nas redes sociais por motivações ideológicas, políticas e financeiras.
A iniciativa já havia denunciado que um vídeo, com a afirmação falsa de que a vacina de mRNA intervém no material genético do paciente, foi o conteúdo com mais engajamento sobre o tema no Facebook em setembro. O material foi retirado do ar pelo Youtube.
“Na análise que fizemos em setembro, encontramos um vídeo, foi o vídeo mais compartilhado nas redes sociais com informação falsa sobre vacina. Esse vídeo ele [o YouTube] derrubou. Ele não está não cumprindo, ele cumpre, mas cumpre dentro dos termos dele”, diz Rafael Junior.
O assunto aparece de forma semelhante em outras mensagens checadas pelo #FATO ou #FAKE. De acordo com a apuração, a sequência genética humana não é afetada pela técnica da vacina.
Vídeos anti-vacina no YouTube
Por meio de links compartilhados em páginas de grupos no Facebook contrários à aplicação de vacinas, a União Pró-Vacina começou a analisar vídeos publicados no YouTube e apurou a permanência de 65 publicações, entre 2 de março e 22 de outubro, hospedadas em 37 canais com mais de 8 milhões de inscritos, com informações falsas contrárias à imunização contra o novo coronavírus.
Destas, 60 – o equivalente a 92% – seguiam no ar sem alertas da plataforma. Segundo o fundador da Pró-Vacina, o que chamou a atenção dos pesquisadores foi que todos os canais de desinformação, em sua maioria administrados de dentro do país e com nomes associados a temas religiosos, não são especializados no movimento anti-vacina.
De acordo com Rafael Junior, esses espaços tratavam de temas gerais antes da pandemia e, com a crise sanitária, se aproveitaram da maior preocupação do público para o novo coronavírus para alcançar mais visualizações e lucrar em cima do tema. Isso sem necessariamente acreditar naquilo que divulgaram, diferente dos responsáveis por canais no Facebook, de cunho mais ideológico e menos comercial.
“Nesse recorte de vídeos no YouTube, vemos muito mais interesses comerciais, de pegar um tema que está muito evidente e as pessoas estão procurando, fazer um vídeo alarmista, catastrófico, para trazer as pessoas, com isso conseguir visualização e transformar essa visualização em monetização.”
Embora não saiba quanto esses vídeos renderam em faturamento, a União Pró-Vacina apontou que em mais da metade deles havia monetização garantida por acessos.
“Em um dos canais, um vídeo estava falando da vacina da Covid e outro estava falando da separação do Gusttavo Lima. Então, veja, não tem um recorte ideológico. Tem um recorte comercial, são pessoas que apresentam temáticas em alta para gerar desinformação para atrair visualização”, analisa.
Com quase 1 milhão de visualizações até a conclusão do estudo, o vídeo de maior repercussão traz uma entrevista com uma suposta médica argentina que faz uma falsa e “bizarra” afirmação, na descrição dos próprios pesquisadores, de que vacina contra a Covid-19 destrói um gene associado à capacidade de acreditar em religiões.
O material, com monetização e sem qualquer alerta sobre a procedência do conteúdo, foi postado em 21 de julho em um canal com 157 mil internautas inscritos e estava no ar até o fechamento desta reportagem.
“Isso foi algo extremamente assustador porque não dá nem para tentar analisar isso do ponto de vista científico porque você não tem nenhum suporte na realidade. É assustador isso.”
De acordo com o Youtube, todos os canais precisam cumprir diretrizes de comunidade e, para monetizar, devem respeitar as políticas do Programa de Parcerias do YouTube, que incluem diretrizes para publicidade.
“Periodicamente, revisamos e removemos aqueles que não estão em conformidade com nossas políticas. É possível apelar da decisão ou reaplicar ao programa em 30 dias.”
Publicados com títulos em diferentes idiomas, de francês a tcheco, outros vídeos associam a vacina a termos como “Anticristo” e “marca da besta” ou inventam que ela faz parte de um plano mundial para controlar a mente da população por meio de microchips.
“Isso pra gente é o mais absurdo, o mais aberrante, e infelizmente são justamente os conteúdos que estão posicionados naqueles vídeos com mais atração: teoria da conspiração, questões religiosas e essa questão de alteração do DNA para embutir medo nas pessoas”, analisa.
Sofisticação de posts e brechas nas diretrizes
Para o fundador da União Pró-Vacina, a permanência desses vídeos na internet é uma combinação de diferentes fatores.
O primeiro deles é a sofisticação dos posts. Os produtores de desinformação, segundo Rafael Junior, muitas vezes se valem de títulos que não mencionam a palavra “vacina” ou se utilizam de caracteres especiais, espaços e expressões abreviadas para driblar o monitoramento adotado pelo YouTube.
Por outro lado, a própria abordagem de combate a informações falsas da plataforma tem brechas, de acordo com a União Pró-Vacina.
Uma “política de informações médicas incorretas relacionadas à COVID-19” está entre os temas elencados nas diretrizes do YouTube. No documento, a empresa alega não permitir conteúdo que contrarie orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e autoridades locais, entre os quais afirmações sobre vacinas contrárias ao consenso dos especialistas e alegações de que ela seria letal.
Ainda assim, o grupo ligado à USP de Ribeirão pondera que parte dos conteúdos acaba incluída em uma zona intermediária de classificação, embora devesse ser enquadrada como falsa.
Além disso, Rafael Junior menciona a falta de uma ferramenta de marcação automática que permita aos usuários fazer alertas específicos sobre a Covid-19.
“Já que estamos vivendo esse momento tão complicado, que agora tem uma nova diretriz contra a vacina da Covid, por que não criar categorias para o usuário marcar esse vídeo que vai contra sua política de conteúdo, principalmente e inclusive na saúde? Essa é uma das sugestões que nós temos para melhorar muito o contato dos pesquisadores e a plataforma”, diz.
Como forma de lidar com duas questões conflitantes – o direito à liberdade de expressão versus os prejuízos da desinformação -, e como solução mais imediata, ele defende a possibilidade de os vídeos continuarem no ar desde que sejam marcados como falsos após serem checados por fontes internacionais.
“Então veja: ele [YouTube] mantém o interesse da pessoa de se expressar, mas também respeita o direito da sociedade de não ser enganada ao marcar aquele conteúdo como falso e explicar por que”, diz.
Prejuízo social
Além do ganho financeiro a partir da desinformação, os pesquisadores da União Pró-Vacina alertam para os prejuízos sociais a que a disseminação de alertas falsos sobre a Covid-19 podem levar.
A aversão à vacina da Covid-19, ou outras imunizações descobertas e aplicadas ao longo da história, não é um efeito imediato, segundo o fundador do instituto, mas essa postura pode se radicalizar quanto mais as pessoas consumirem conteúdos falsos na internet.
“O dano mais próximo no curto prazo é esse: a queda da confiança na vacina da Covid e o que pode se transformar em uma queda de confiança em todas as outras vacinas. Esse é o efeito mais danoso que nós enxergamos”, diz.
Nesse contexto, ele cita como exemplo o caso do sarampo, que voltou a ter níveis preocupantes no Brasil e fez o país perder o certificado de eliminação em 2019. “Essa falsa sensação de segurança acaba deixando a vacina como se não fosse tão necessária, para ser deixada para depois, mas aí as doenças que estavam controladas acabam voltando, como é o caso do sarampo.”
Para identificar e não compartilhar a desinformação, ele destaca como características comuns desses vídeos o apelo emocional por meio de expressões e exclamações, a invenção de um inimigo e o discurso de ódio.
Checar informações em sites jornalísticos e de divulgação científica, além de agências de checagem também é importante, afirma Rafael Junior. “Esse é o bê-á-bá pra gente lidar com desinformação, não cair e não compartilhar, tentar parar a disseminação.”
O Youtube informou que, recentemente, expandiu a política para coibir informações incorretas relacionadas à doença para remover também conteúdo com alegações que contradizem o consenso de especialistas de autoridades de saúde locais ou da OMS.
“Além disso, exibimos uma prateleira de notícias sobre a doença em nossa página inicial, com conteúdos de fontes jornalísticas e autoridades locais e mostramos painéis informativos que direcionam os usuários para sites de organizações de saúde, como o Ministério da Saúde, no Brasil. Globalmente, esses painéis já tiveram mais de 400 bilhões de impressões, ajudando a informar a comunidade do YouTube sobre a pandemia.”
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