Dos mais de 7 mil processos a serem julgados desde 2019, aconteceram apenas 5 audiências. ‘Aplicar multa ambiental virou motivo de piada’, diz secretário-executivo do Observatório do Clima, que preparou documento usado de base na ação. Agentes da PF e do Ibama em fiscalizações no norte de Mato Grosso
Polícia Federal de Mato Grosso
Em meio ao aumento do desmatamento e às queimadas crescentes na Amazônia e no Pantanal em 2020, os registros de multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) foram na contramão dos crimes ambientais. Segundo a rede Observatório do Clima, de abril de 2019 até setembro deste ano, o Ibama realizou apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas. Já o ICMBio não fez nenhuma.
Com base no dado, quatro partidos políticos, PT, PSB, PSOL e Rede, entrarem com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto do presidente Jair Bolsonaro que desmontou o processo de cobrança de multas ambientais – o decreto 9.760, de abril de 2019, que criou a chamada “conciliação” de multas ambientais.
“Trata-se de uma instância a mais no já demorado processo de pagamento de multas do Ibama e do ICMBio. A justificativa para sua criação foi a possibilidade de fazer audiências entre os órgãos fiscalizadores e os autuados, que levassem ao pagamento da multa sem a necessidade de contestação judicial”, explica o documento do Observatório do Clima.
De acordo com o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, a câmara de conciliação, criada com a justificativa de acelerar o processo de multas ambientais aplicadas, serve, na prática, de escudo aos infratores, permitindo que eles sequer sejam julgados.
“Essa instância é responsável hoje por fazer um primeiro julgamento da multa aplicada pelo agente do Ibama ou do ICMbio. Portanto, nenhum processo anda sem que haja esse julgamento. O problema é que estes julgamentos não acontecem”, explica Astrini.
Segundo o Observatório do Clima, de março a setembro, foi realizada nenhuma audiência dos mais de 7 mil processos de multas aplicadas pelo Ibama e ICMBio esperando para serem analisadas 2019.
“Aplicar multa ambiental virou motivo de piada, porque os infratores sequer serão julgados”, diz o secretário executivo da rede.
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“Na prática, há um ano, todos os autos que foram lavrados não foram cobrados. Ou seja, nenhuma multa foi cobrada”, explica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, na gestão do governo Temer.
A ação dos partidos no STF, feita nesta quinta-feira (22), pede que o decreto 9.760 seja liminarmente suspenso e que os processos de julgamos das multas já aplicadas sejam imediatamente retomados.
O texto da ação entregue à justiça cita o artigo 23 da Constituição Federal, que afirma que é dever do governo federal “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, e “preservar as florestas, a fauna e a flora” do país.
‘Punição Zero’
Batizado pelos ambientalistas de projeto “Punição Zero”, a câmara de conciliação também suspendeu a cobrança da multa aplicada pelo Ibama ou ICMBio até que fosse realizada a audiência.
“As multas ambientais no Brasil, que antes não eram pagas em sua maioria — porque os grandes infratores sempre recorriam —, nem sequer estão sendo cobradas”, concluiu o documento do Observatório do Clima.
A título de comparação, o documento apresenta quantas multas foram aplicadas nos anos anteriores e quanto o governo federal arrecadou:
2016: foram 17.386 autos, totalizando R$ 4.787.301.614,69 em multas
2017: foram 15.694 autos, totalizando R$ 3.190.105.341,09 em multas;
2018: foram 14.787 autos, totalizando R$ 4.405.948.533,04 em multas
No ano passado, em outro levantamento, o Observatório do Clima apontou que os autos de infração registrados de janeiro a novembro de 2019 já foram os menores dos últimos 15 anos. No período, foram registrados 10.270 multas, número 25% menor se comparado ao mesmo período de 2018. O recorde de multas aplicadas pelo Ibama no período foi em 2005, com 31,5 mil autos de infração.
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Nesta quinta-feira, o Ibama determinou que os agentes que combatem incêndios para todas as brigadas, inclusive na Amazônia e no Pantanal, voltem para as bases. O motivo seria a falta de recursos.
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Suely Araújo rebateu o governo federal e afirmou que não há falta de recursos financeiros.
“[O governo] tem dinheiro, tem mais de R$50 milhões no Fundo Amazônia, e somente R$10 milhões foram gastos. É um problema de gestão interna do governo”, afirmou a ex-presidente do Ibama. “Tem dinheiro sobrando. Agora, por que o governo não se preparou para pagar as pontas, isso é um problema de gestão interna”, disse Araújo.
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Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente anunciou a suspensão de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e às queimadas no Pantanal.
A suspensão dos trabalhos ocorrem logo após as queimadas na Amazônia e no Pantanal atingirem marcas recordes neste ano: dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que o número de focos de incêndio registrados na Amazônia de janeiro a setembro deste ano foi o maior desde 2010. Naquele ano, foram 102.409 pontos de fogo na floresta de 1º de janeiro a 30 de setembro; em 2020, no mesmo período, foram 76.030.
No caso do Pantanal, segundo o Inpe, 14% do bioma foi queimado apenas em setembro – é a maior devastação anual do território causada pelo fogo desde o início das medições, em 2002, pelo governo federal. A área atingida no ano chega a quase 33 mil km², que equivale à soma do território do Distrito Federal e de Alagoas.
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