'Salles não é ministro de apenas 6% do Pantanal'; especialistas rebatem visão do ministro sobre o bioma thumbnail
Meio Ambiente

'Salles não é ministro de apenas 6% do Pantanal'; especialistas rebatem visão do ministro sobre o bioma

Ministro do Meio Ambiente afirmou que cabe ao governo federal guardar 902 mil dos 15 milhões de hectares do bioma. Ricardo Salles cita ‘criação de gado’ no Pantanal como ação de combate a incêndios
Após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmar nesta terça-feira (13) que é de responsabilidade do governo federal a fiscalização de apenas 6% dos 15 milhões de hectares do Pantanal (assista no vídeo acima), ambientalistas ouvidos pelo G1 criticaram a postura do ministro e lembraram que o bioma é Patrimônio Nacional – e, portanto, responsabilidade do governo.
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Suelly Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), explica que, de fato, 6% do Pantanal referidos por Salles são do governo federal e os outros 94% são propriedades privadas. No entanto, isso não retira do governo federal a responsabilidade de cuidar de todo o bioma.
“O governo federal tem uma competência primária em termos de fiscalização, de monitoramento ambiental, que realmente prioriza terras indígenas, unidades de conservação ambientais, territórios quilombolas ou áreas com assentamento do Incra. Essa competência não pega todo o território nacional nem todo o Pantanal”, explica Araújo.
“Porém, os órgãos federais atuam supletivamente na fiscalização ambiental, então grande parte, por exemplo, do que se faz de fiscalização na Amazônia são operações na competência supletiva dos órgãos federais”, complementa a ex-presidente do Ibama.
O ministro deu a declaração durante uma audiência pública na comissão externa do Senado, que acompanha as ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal.
“Estamos falando de áreas que compreendem florestas destinadas, unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos em um volume total de 902 mil hectares que corresponde a 6% dos 15 milhões de hectares”, disse Salles aos parlamentares nesta terça.
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a fala de Salles é uma tentativa de livrar do Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade por proteger o Pantanal.
“Salles é ministro do meio ambiente e, por isso, deveria ter preocupação com todos os biomas brasileiros, independentemente se esses biomas estão em 1 ou 3 estados, etc. Estamos falando de uma tragédia, a ambiental, que é da pasta dele. Ele não é ministro de 6% do Pantanal, é ministro do meio ambiente do Brasil, da natureza do país”, afirma Astrini.
Quatorze por cento da área do Pantanal foi queimada apenas em setembro deste ano, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número já supera a área de todo o ano passado e é a maior devastação anual do território causada pelo fogo desde o início das medições, em 2002, pelo governo federal.
“Diante da situação catastrófica do Pantanal, Salles vai ao Congresso para dizer que tem pouco a ver com tudo o que aconteceu e que a responsabilidade dele se limita a 6% e, portanto, o problema não é dele. É vergonhoso para qualquer ministro”, diz Astrini.
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Patrimônio nacional
Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, afirma que, além de responsabilidade sobre os patrimônios naturais do país, o Ministério do Meio Ambiente tem dever moral com todo o bioma pantaneiro.
“Esta afirmação [de Salles] está ligada às áreas que estão sob o domínio federal. Como ele mesmo diz, o restante [94%] são propriedades privadas. Contudo, a Constituição Federal, em seu artigo 225, parágrafo 4º, identifica o Pantanal como Patrimônio Nacional e, sob esta perspectiva, acredito que, mesmo sendo 94% propriedades privadas, o governo federal tem compromisso com o bioma, senão legal pelo menos moral”, explica Dias.
Para a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente é mais ampla do que afirma Salles.
“Em uma situação de crise, as instituições do governo federal com a competência para combater e prevenir o fogo devem assumir essa responsabilidade. E, principalmente, a responsabilidade de reforçar a necessidade de não uso do fogo em época de seca, o que ele não fez aparentemente em suas declarações”, disse Ane Alencar.
De acordo com análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), parceira do Inpe no monitoramento da área queimada, 26% de todo o bioma já foi consumido pelo fogo de janeiro a setembro.
Quem fiscaliza os 94%
Ainda segundo a fala de Salles nesta terça, os demais 94% do bioma pantaneiro são de responsabilidade dos governos estaduais.
“Volto a dizer que apenas 6% do território do Pantanal é de jurisdição da fiscalização federal. As demais partes do territórios são de competência estadual. E, portanto, o governo federal contribui na sua parcela de jurisdição. Para além disso, com emprego das Forças Armadas”, afirmou o ministro.
Para Astrini, a fala de Salles tem por objetivo repassar a responsabilidade de combate às queimadas na região pantaneira aos governos estaduais.
“O governo federal presta suporte aos estados. É como acontece na Amazônia: o Ibama atua em áreas federais, mas também estaduais e todas as áreas, porque é um órgão de função complementar aos estados, que muitas vezes não têm capacidade de agir sozinhos”, explica o ambientalista.
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Contudo, a ex-presidente do Ibama, Araújo, lembra que o Ministério do Meio Ambiente, segundo a constituição federal, é definido como um órgão central responsável por cuidar dos assuntos ambientais do país como um todo, e não somente nas áreas sob domínio federal.
“Não se pode esquecer que o Ministério do Meio ambiente é órgão central do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e é órgão central nos assuntos ambientais, segundo a Lei 6938 de 1981. A pasta tem que cuidar não somente das áreas federais, mas do país como um todo. Quando ocorrem incêndios na dimensão do que está ocorrendo no Pantanal, deixa de fazer sentido essa divisão estreita de trabalho, todos têm que ajudar”, diz Araújo.
Dias lembra que instrumentos do governo federal, como as brigadas do PrevFogo do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), já atuam no Pantanal independentemente de ser área pública ou privada, e que essa ajuda é essencial para os estados, que têm recursos limitados.
“Sempre que necessário os governos estaduais solicitam ajuda do governo federal. Na minha percepção, o tempo de resposta é que deixou a desejar”, aponta Dias.
“Salles não deve minimizar o papel do governo federal. Se ele acha que não tem importância nenhuma numa crise ambiental do tamanho do Pantanal, ele pode pedir demissão, não faria falta nenhuma”, complementa Astrini.
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