À medida que as temperaturas globais sobem, a demanda por ar-condicionado aumenta – mas há maneiras de resfriar os edifícios sem recorrer ao aparelho. O design intrigante da Academia de Ciências da Califórnia foi desenvolvido para promover a ventilação do edifício
Cody Andresen
À primeira vista, pode parecer com as casas dos Hobbits, famosos personagens criados pelo escritor britânico J. R. R. Tolkien, sobretudo pelas portas perfeitamente circulares que se abrem para as montanhas.
Mas as portas são feitas de vidro e, dentro delas, não há a decoração aconchegante da “toca” dos Hobbits – você encontra apenas uma série de braços e alavancas mecânicas de aço, que mantêm algumas portas entreabertas.
Essas colinas fazem parte da cobertura do prédio da Academia de Ciências da Califórnia, em São Francisco, nos EUA. E o telhado verde ondulado é um exemplo de uma série de recursos de engenharia e design que fazem deste edifício um dos maiores espaços passivamente ventilados do país.
Isso quer dizer que, mesmo no auge do verão, a maior parte deste prédio conta com a manipulação inteligente destes elementos para se manter fresco, quase sem nenhuma necessidade de ar-condicionado.
Arquitetos, engenheiros e designers de todo o mundo estão repensando os edifícios na tentativa de encontrar soluções para mantê-los frescos sem ar-condicionado – e telhados como esse são uma alternativa.
Este é um desafio cada vez mais urgente. O verão do ano passado foi mais uma vez escaldante, com ondas de calor registradas na Austrália, no sul da Ásia, na América do Norte e na Europa.
Para enfrentar as ondas de calor, mais frequentes por causa das mudanças climáticas, o número de unidades de ar-condicionado deve triplicar no mundo todo até 2050.
Além de consumir uma grande quantidade de eletricidade, esses aparelhos contêm fluidos refrigerantes (que passam do estado físico para o gasoso) que são potentes gases de efeito estufa. Na verdade, esses fluidos são a fonte de emissão de gases de efeito estufa que mais cresce em todos os países.
Mas o que não falta são alternativas – de projetos de arquitetura testados há 7 mil anos à tecnologia de ponta usada na construção da Academia de Ciências da Califórnia – para criar prédios que permaneçam frescos sem praticamente nenhuma necessidade de energia.
Na Academia de Ciências da Califórnia, as redomas gramadas do telhado desviam o fluxo natural de ar para dentro do edifício. À medida que o vento sopra, um dos lados da colina está sob pressão negativa, o que ajuda a sugar o ar para o interior do prédio, por meio de janelas controladas automaticamente do telhado.
O fato de o telhado estar coberto de vegetação também ajuda a diminuir a temperatura no espaço abaixo dele, além de fornecer um habitat para diferentes espécies de plantas e animais.
“Começamos pensando em quão longe poderíamos ir para projetar o prédio, supondo que não teríamos ar-condicionado”, diz Alisdair McGregor, líder global de engenharia mecânica da Arup, que participou do projeto de construção do prédio.
Ele acrescenta, no entanto, que é raro conseguir controlar totalmente o clima dentro de um edifício por meio desta abordagem.
Pode haver restrições impostas por uma rodovia barulhenta que passa ao lado, por exemplo, tornando inviável a abertura de janelas. Pode ser também que o prédio tenha muitos equipamentos que esquentam ou residentes com necessidades específicas, como no caso de um hospital.
Mas pelo menos isso significa que o ar-condicionado, assim como seus custos e emissões, são reduzidos ao mínimo.
A Academia de Ciências da Califórnia é a expressão máxima do design sustentável. No entanto, também é um projeto de quase meio bilhão de dólares, assinado por alguns dos melhores engenheiros e arquitetos em desenvolvimento sustentável.
E quanto aos edifícios mais banais em que passamos a maior parte do tempo – será que técnicas sustentáveis de resfriamento natural e passivo também podem deixá-los à prova das ondas de calor?
Água
Uma das formas mais simples de resfriamento passivo utiliza a mudança de temperatura no ar quando a água evapora. A água precisa de energia para passar do estado líquido para gasoso – e retira essa energia do calor do ambiente.
“O resfriamento evaporativo é um fenômeno natural”, diz a engenheira Ana Tejero González, da Universidade Valladolid, no norte da Espanha.
“Podemos ver muitos exemplos na natureza onde isso acontece.”
Ele pode resfriar tanto uma superfície, quanto uma massa de ar, assim como a pele quando você transpira ou a língua de um cachorro quando ele está ofegante.
Na região em que González mora, na Espanha, a moringa utiliza o mesmo princípio.
Feita de barro, ela é usada pelos trabalhadores rurais para transportar água potável ou vinho para os campos. Uma pequena quantidade da bebida evapora por meio da superfície porosa do barro, mantendo o líquido fresco mesmo sob o calor do sol.
Na arquitetura, o uso do resfriamento evaporativo remonta ao Egito antigo e aos romanos.
Mas alguns dos exemplos mais elaborados são da arquitetura árabe, sobretudo de uma estrutura chamada mashrabiya. A mashrabiya é uma treliça de madeira ornamentada, esculpida com desenhos, encontrada na parte interna ou externa de um edifício.
Além de proporcionar sombra, a mashrabiya serve no verão para armazenar potes de barro – como moringas – cheios de água. Isso ajuda a esfriar o ambiente, uma vez que a ventilação passa pelo design vazado da mashrabiya e pela superfície porosa dos portes.
Mas existem maneiras ainda mais simples de aproveitar o resfriamento evaporativo dentro de um prédio ou espaço externo. Um corpo de água em um pátio – seja um lago, uma fonte ou pequenos canais – desempenha a mesma função.
E, no interior das construções, colocar um pote de barro com água perto da janela ou de um local em que haja corrente de ar também pode ajudar a resfriar o ambiente.
Terra
Se as regiões temperadas do hemisfério norte querem se preparar para enfrentar o calor extremo, há muito a aprender com as construções tanto antigas quanto modernas do hemisfério sul, diz Manit Rastogi, sócio fundador do escritório de arquitetura Morphogenesis, com sede na Índia.
“Esta parte do mundo sempre foi quente”, explica.
Os sistemas de refrigeração passiva são uma necessidade nessa região há milhares de anos.
“A maior parte da arquitetura que tradicionalmente fazemos aqui são exemplos fenomenais de como resfriar o ambiente sem meios mecânicos”, diz Rastogi.
Mesmo em climas quentes e áridos, as temperaturas mais baixas podem estar mais perto do que você imagina.
Na cidade de Jaipur, na Índia, as temperaturas chegam a mais de 40°C no verão
Getty Imagess via BBC
Em Jaipur, capital do Estado de Rajasthan, no norte da Índia, as temperaturas diurnas atingem regularmente mais de 40°C no verão. Mas apenas a alguns metros abaixo do solo, a temperatura permanece mais branda, a 25°C, mesmo com o calor mais intenso do verão.
A solução é cavar, diz Rastogi, que projetou a Pearl Academy of Fashion, em Jaipur, usando esse princípio. Ele e os colegas fizeram um poço indiano tradicional, conhecido como baoli, dentro de um dos pátios internos da academia.
Essas estruturas escavadas no solo possuem uma série de degraus – e são desenhadas para coletar tanto a água da chuva, quanto a água residual tratada do edifício. O reservatório de água, resfriado pelas temperaturas subterrâneas, absorve uma quantidade substancial de calor do pátio, mantendo o ar fresco.
“Cavar a terra é muito, muito eficaz”, afirma Rastogi.
Embora seja uma solução atraente, não é necessário cavar um poço enorme em sua propriedade para se beneficiar do mesmo fenômeno.
Os sistemas comerciais de aquecimento e refrigeração geotérmicos também fazem uso da temperatura mais ou menos estável do solo ao longo do ano bombeando água por meio de uma tubulação que passa por baixo da terra.
No verão, a temperatura da água resfria dentro do solo, e é bombeada de volta, sendo distribuída por dutos que vão ajudar a refrescar a casa. No inverno, o mesmo sistema pode ser usado para esquentar a residência.
Embora ainda seja pouco usado para aquecimento, o sistema geotérmico está se tornando cada vez mais popular para refrigeração, principalmente em cidades do norte da China no verão.
Além do baoli, a Pearl Academy of Fashion, em Jaipur, usa outros truques para manter a temperatura amena.
A começar pela simples forma retangular do prédio, que pode não parecer muito elegante, mas oferece a vantagem de maximizar o espaço interno em relação à área de superfície externa, uma vez que cada metro quadrado exposto ao sol absorve calor.
O edifício é coberto por um jali, tela de pedra perfurada, que fica a cerca de 1,2 metros das paredes externas, o que ajuda fazer sombra no edifício e atenuar a temperatura.
“Muitas dessas estratégias se referem a estar em contato com a natureza e entender como ela funciona”, diz Rastogi
O resultado é que a temperatura no interior da academia é razoavelmente morna, em torno de 29°C, mesmo nos meses mais quentes, quando as temperaturas externas são frequentemente superiores a 40°C.
Isso permite que o ar-condicionado seja usado de maneira moderada quando é necessário.
Vento
Yazd, no Irã, é conhecida como a “cidade das torres de vento”.
As torres de vento são um elemento tradicional na arquitetura persa e funcionam como uma espécie de ar-condicionado natural. Elas possuem diversas aberturas em forma de arco e são erguidas no topo de edifícios de telhado plano, de acordo com a direção do vento. Há séculos, capturam o vento que sopra sobre os telhados e canalizam para o interior das moradias.
Sua estrutura arquitetônica também ajuda a estimular a circulação de ar, mesmo quando não há uma brisa forte soprando. Às vezes, o ar flui sobre uma bacia ou tanque com água, para refrescar ainda mais o ambiente.
As torres de vento de Yazd estão entre as mais variadas e criativas do Oriente Médio, de acordo com uma pesquisa realizada pela professora de arquitetura Mahnaz Mahmoudi Zarandi, da Qazvin Islamic Azad University, em Teerã.
Uma análise das torres de vento da cidade mostrou que os modelos mais eficazes são capazes de reduzir de 40°C para 29,3°C a temperatura do ar em ambientes fechados.
No caso de prédios que não têm a sorte de ter uma torre de vento acoplada, há outras alternativas, diz McGregor, da Arup. Por exemplo, manter as janelas abertas em diferentes lados de um edifício, em alturas variadas, pode ajudar a canalizar o ar para dentro.
“Às vezes, o efeito pode ser um vendaval de ventos uivantes”, acrescenta.
“Por exemplo, um átrio alto com uma abertura na parte superior e uma porta embaixo. Com várias aberturas, você pode controlar o fluxo de ar pelo edifício.”
Selva de concreto
Por mais inteligente que o design de um edifício seja, ele só consegue diminuir o termostato até certo ponto. Mas entender como os prédios interagem com o restante da paisagem urbana pode ajudar a reduzir ainda mais a temperatura.
O arranha-céu espelhado de Londres conhecido como “walkie-talkie” é uma lição de como não fazer isso. O prédio tem uma face côncava gigante. Embora possa parecer sofisticado, há uma razão para que edifícios com reentrâncias não sejam muito comuns.
Antes da conclusão do edifício, descobriu-se que a vasta superfície côncava e brilhante agia como uma lupa, concentrando os raios do sol em uma pequena área. Mais precisamente, em um pequeno trecho da calçada – em frente a um salão de beleza e um restaurante vietnamita.
O resultado foi uma temperatura tão alta que derreteu pinturas, entortou peças de carro, estilhaçou azulejos e botou fogo no capacho de uma loja.
O problema foi resolvido graças à instalação na última hora de um brise soleil – uma espécie de guarda-sol gigante de lâminas de alumínio. Mas isso mostra como uma mudança no design pode alterar profundamente a temperatura da paisagem urbana.
Mesmo que não haja arranha-céus fritando as calçadas, existe o fenômeno urbano da ilha de calor – em que o concreto absorve o calor do Sol e o irradia de volta para os pedestres.
Podemos pensar no efeito das ilhas de calor como um mal necessário nas grandes cidades no verão. Mas é possível adaptar os espaços urbanos a fim de reduzir o mesmo.
Uma das maneiras mais eficazes é por meio da vegetação. Todo mundo sabe disso intuitivamente – é a diferença entre o frescor das alamedas arborizadas de cidades como Palma, na ilha de Maiorca, e o calor das calçadas descampadas de Nova York.
Em Medellín, na Colômbia, as autoridades implantaram 30 “corredores verdes” em partes outrora cinzentas da cidade, usando as margens de 18 estradas e 12 vias fluviais. Esses espaços cobertos de vegetação reduziram as temperaturas em 2°C.
Mas um estudo realizado pela ecologista Monica Turner, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, mostrou que uma cobertura de árvores ainda mais ampla pode reduzir a temperatura urbana em até 5°C.
Muitas cidades estão adotando medidas semelhantes. As autoridades municipais de Milão, na Itália, planejam plantar três milhões de árvores na cidade até 2030. Melbourne, na Austrália, também iniciou um programa de plantio de árvores para manter a cidade habitável durante futuras ondas de calor.
E cidades recém-construídas, como Liuzhou, a “cidade florestal” da China, podem ser concebidas com uma ampla cobertura de plantas e árvores desde o início.
Saída estratégica
É claro que, mesmo em um edifício passivamente refrigerado de uma cidade bem projetada, às vezes esses recursos de design não serão suficientes.
Em um hospital repleto de equipamentos que geram calor e pessoas vulneráveis, haverá requisitos de refrigeração que vão além do que os sistemas passivos são capazes de oferecer.
“Neste caso, não nos preocupamos tanto com a energia – precisamos apenas alcançar as condições térmicas adequadas no interior”, diz González.
Mas o ponto principal é que o ar-condicionado convencional deve ser o último recurso, não uma muleta.
Talvez o aspecto mais promissor a respeito do resfriamento passivo, acrescenta McGregor, seja o fato de oferecer uma saída do ciclo vicioso que estamos vivendo atualmente com o ar-condicionado.
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