Globo Rural ouviu pais, alunos e professores de zonas rurais de 5 estados do Brasil para mostrar um panorama do ensino dessa população. Delivery de lição, improvisos e vídeos: como está a educação no campo durante a pandemia
A pandemia do novo coronavírus criou um grande desafio para alunos e professores de todo país. Na ausência da sala de aula, as escolas precisaram se fazer presente de outras formas, como o ensino à distância via internet. Mas, para quem vive na zona rural, nem sempre é possível.
Segundo último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018, o número de casas que usam internet na zona rural não chega a metade (49,2%), principalmente porque o serviço não existe ou é muito caro.
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E, para quem tem acesso à internet, muitas vezes a conexão é ruim, a família nem sempre tem o equipamento necessário ou mesmo é insuficiente para que todos os filhos possam estudar online.
Diante disso, o Globo Rural acompanhou e entrevistou pais, alunos e professores de 5 estados brasileiros (AM, CE, MG, PA e SP) para saber como anda a educação no campo em tempos de pandemia.
Para conseguir chegar aos moradores da zona rural, a reportagem contou com a ajuda de professores e de integrantes de ONGs.
Sensação de abandono
Uma das comunidades “visitadas” fica em Gurupá, no Pará, onde a população local vive do extrativismo do camarão e do açaí.
“É a primeira vez que estão se preocupando em saber o que nós estamos sentindo”, diz a moradora Cleuciane Braz dos Santos.
A escola da região nem chegou a abrir em 2020. Cerca de 200 alunos do ensino fundamental estão sem qualquer atividade para dar continuidade aos estudos. Por conta própria, Cleuciane tenta manter as atividades dos filhos, Alice, de 14 anos, e Vítor, de 11 anos.
O secretário de Educação da cidade, Fabrício do Nascimento, disse que a Prefeitura chegou a pensar em distribuir materiais com atividades para ajudar os alunos, porém não poderia dar sem existir instruções e métodos para aplicá-los. Ou seja, sem material e sem estudo.
“A gente decidiu assegurar a saúde de nossos alunos e profissionais de educação de nosso município e retornar de acordo com o que for estabelecido pelo conselho estadual de educação”, afirma.
‘Não podemos parar’
Na mesma região do Brasil, no município de Anori, no Amazonas, ao contrário do que acontece em Gurupá, tem professor preparando lição para os alunos não ficarem parados. A escola local também não chegou a começar o ano letivo porque passava por uma reforma.
“Ninguém vai deixar de levar a educação por causa da pandemia, nós não podemos parar o nosso trabalho, nós temos que ver nossos alunos contentes, pois eles estão tristes com isso”, afirma Osório Cavalcante de Almeida, professor de português.
Em uma comunidade de Anori, a cerca de 90 km do município, os rios são as estradas para levar educação aos jovens. Os barcos, que antes traziam as crianças até a escola, agora entregam as tarefas até os alunos pelo Rio Purus.
O professor Anderson Correia e outro colega têm essa rotina toda semana. São mais de 100 famílias visitadas e quase 200 alunos. Os estudantes entregam a lição da semana anterior já preenchida e recebem a nova.
Apesar de todo o esforço, a ausência de professores pesam para os alunos. A estudante Jaqueline Martins Laranjeira, de 16 anos e que cursa o 6º ano, mora com a avó, que não tem estudo. Como não consegue ajuda, a garota precisa fazer as lições sem ter alguém para tirar dúvidas.
“A vovó só me fala para fazer mais, mas, como ela não sabe, eu tenho que me virar”, conta Jaqueline.
Diante da dificuldade, a menina ainda vê um lado positivo. “Como eu estou me esforçando muito, aprendi a fazer coisas melhores.”
Os professores não estão do lado, mas estão de olho no aproveitamento dos alunos. Tanto que trazem as lições corrigidas de volta para os estudantes.
Delivery de atividades
Na zona rural de São José dos Campos, interior de São Paulo, as lições estão sendo impressas e entregues pessoalmente para os alunos.
“Nem todo mundo tem computador, não tem internet, às vezes, nem funciona a TV”, explica a vice-diretora Donaide Pinheiro Bittencourt.
Uma vez por semana, as professoras organizam tudo e a dupla de funcionárias Márcia e Maiara ficam responsáveis pela entrega das atividades – com carro próprio.
Com a proteção de máscaras e luvas, a dupla vai fazendo o delivery das tarefas semanais da criançada.
A estudante Giovana resume a grande descoberta da maioria dos alunos durante a pandemia. “Antes, eu achava que não precisava muito do professor, mas aí parou e falei ‘não, precisa… a gente tem dúvidas’.”
Parentes ajudam como podem
Muitos pais e avós querem ajudar os filhos e netos nos estudos, mas não podem porque não conseguiram terminar a escola.
No Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Terezinha Luísa dos Santos cursou até a 3ª série apenas. Hoje, com 8 filhos, sendo 5 deles na escola, ela consegue ajudar somente com o que conseguiu aprender.
“A gente peleja, tá ensinando eles, só não sabe se tá certo porque eu não tenho muito estudo”, afirma Terezinha.
“Arrependi de ter saído da escola e falo para eles que procurem um jeito de estudar porque sem estudo a gente não é nada na vida.”
O estudante Ryan Batista Santos, de 12 anos e filho de Terezinha, está desanimado com a situação. “Me desanima por causa que a gente faz a lição em casa e nem sabe se tá certa ou tá errada. A gente não sabe se vai passar de ano ou repetir.”
Internet morro acima
Para manter o contato com os alunos e conseguir ajudar nas tarefas, a professora Natália Gomes Pereira, de Araçuaí, também em Minas, se esforça. Sem internet em casa, ela precisa subir em um morro próximo para conseguir sinal no celular.
“Uma hora pega, outra hora não pega, não é fácil… tem dia que não tem retorno nenhum. Eu estou me sentindo excluída. Porque é como se eu estivesse fora da realidade”, diz.
Professores vlogueiros
Onde a exclusão digital é menos gritante, o período sem escola não é tão sofrido. Em Brejo Santo, Ceará, tem até professores vlogueiros na zona rural.
“Você deixa de interagir com um grupo de crianças e passa a interagir com uma câmera, um objeto. É bem diferente”, explica o coordenador pedagógico do município Francisco Jucélio dos Santos.
“Uma aluna gravou um vídeo orientando uma professora a como gravar um vídeo. Então, alunos aprendem com professores e professores com os alunos”, completa.
Volta incerta
Neste momento, crianças e jovens continuam protegidos em suas casas. Governos de estados e municípios ainda estudam como e quando voltar às aulas com segurança, tudo vai depender do controle da pandemia.
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