Cidade de 50 mil habitantes tem problemas com superpopulação de visitantes. Gôndola em Veneza
Andrea Pattaro / AFP
Ainda vazia por causa da pandemia de coronavírus, cidade italiana se prepara para receber visitantes novamente. Alguns querem rever as multidões no local, outros pedem medidas para buscar clientela mais seletiva. Na Praça de São Marcos, uma gaivota leva da mão de um menino o sanduíche embrulhado em papel alumínio. Ele solta um riso nervoso, sua mãe o puxa. A alta probabilidade de se tornar vítima de um pássaro faminto é uma das desvantagens de se estar praticamente sozinho num dos pontos turísticos mais famosos de Veneza.
Geralmente, gente de todos os cantos do mundo se aglomera na Praça de São Marcos, alguns se deliciam com um café caro demais num dos bares, ou compram lembranças que trazem a palavra “Venezia” estampada. Uns são atraídos pelos museus de renome, outros tiram uma selfie.
Mas nada é normal em Veneza nesse momento. Embora mais normal do que antes de 3 de junho, quando os cidadãos da União Europeia passaram a não ter mais que ficar em quarentena por duas semanas ao ingressar na Itália.
Foi também uma data prenunciando o retorno a uma espécie de cotidiano, após meses difíceis e rigorosas medidas de isolamento social. A Itália foi o primeiro país da Europa a ser atingido pela crise do coronavírus, e com um número especialmente alto de mortos a prantear.
O Grande Canal perto da Ponte Rialto, em Veneza, é visto com águas claras como resultado da interrupção do tráfego de lanchas após o bloqueio do país durante a nova crise de coronavírus
Andrea Pattaro/AFP
Entretanto, por mais difícil que a situação tenha sido, e ainda é, a covid-19 deu a Veneza um tempo para respirar. Segundo dados oficiais, 12,5 milhões de turistas pernoitaram na cidade em 2019, e cerca de 15 a 16 milhões a visitaram para passeios de um dia.
Isso é demais, na opinião de Jane da Mosto. Ela nasceu na África do Sul e vive em Veneza há 25 anos, com o marido, um veneziano, e quatro filhos. Quando fala da cidade que escolheu para morar, ela a descreve como um “limão espremido” pelo governo local, ou como uma “vaca ordenhada”.
Com sua iniciativa We are here, Venice (Estamos aqui, Veneza), ela luta contra os navios de cruzeiro, contra o turismo de massa, que, na sua opinião, destrói a alma de Veneza. O que a deixa particularmente irritada é o fato de apenas alguns ainda quererem ou poderem viver na cidade. Os habitantes são pouco mais de 51 mil no momento. Para muitos proprietários, é muito mais lucrativo alugar para turistas do que para famílias com renda normal.
Jane da Mosto reivindica que o governo local crie incentivos para que os venezianos possam encontrar empregos em outros setores fora do turismo. “Meus quatro filhos amam a cidade e querem ter um futuro aqui”, diz Mosto.
Fique mais tempo, gaste mais
Nicolo Bortolato é – como 65% dos habitantes de Veneza – dependente de visitantes, mas quer para seu hotel um grupo-alvo semelhante ao que Jane da Mosto quer para a cidade: gente que visita Veneza por estar interessada nela, para mergulhar em sua história milenar.
Há dez anos, Bortolato e outros converteram o conhecido Palazzetto Pisani em hotel. Quem lá fica não paga apenas por acomodação e café da manhã, mas também convive com o charme veneziano. Há pinturas em toda parte, um salão com móveis antigos de madeira, onde os hóspedes podem se sentar e conversar.
É esse tipo de turista que muitos de Veneza gostariam de ver na cidade: quem pode gastar alguns euros a mais.
Até a responsável em Veneza por atrair o maior número possível de visitantes diz que as coisas não podem continuar como antes. Paola Mar, responsável pelo setor de turismo local, queria introduzir taxas de entrada em julho, mas a pandemia chegou, e tudo foi adiado.
Mar mora no continente. Seus críticos dizem que o comissária de Turismo não sabe o que é ter que se espremer entre multidões para ir ao trabalho ou se assustar todos os dias pelos hóspedes de Airbnb que batem à porta porque se enganaram de apartamento.
Outros problemas
Quando alguém questiona Paola Mar sobre um limite para o número de turistas, ela eleva a voz, quase um pouco irritada. “Como isso pode ser implementado?”, pergunta. Em vez disso, ela quer introduzir reservas obrigatórias, para controlar as multidões de turistas no futuro.
Para muitos venezianos, isso não basta: eles argumentam que sua cidade não sofre apenas com o excesso de visitantes, mas também por suas fundações estarem afundando. Em novembro mesmo, uma inundação paralisou Veneza e causou imensos danos a muitas casas.
Marco, gondoleiro do Canal Grande, mostra a que altura a água chegou, na época. Ele é um dos que se beneficiam do turismo e agora é particularmente afetado pela crise. Dos seus mais de 400 colegas, muitos ainda estão desempregados. Ele diz esperar que os visitantes voltem em breve.
Hossein Ismail, gerente do Café Aurora na Praça de São Marcos, vê as coisas da mesma forma. Ele conversa com seus colegas, caminha de um lado para o outro entre as cadeiras azul-turquesa. Estão todas vazias, até que duas alemãs se sentam e se queixam dos vaporettos: os ônibus aquáticos venezianos já estão novamente superlotados.
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