Levantamento de procuradores analisou dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do governo federal; estados da Amazônia Legal lideram sobreposições. Terras indígenas são protegidas por Lei Federal
Ascom MPF/MS
O Ministério Público Federal (MPF) identificou que quase 10 mil propriedades privadas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) estão sobrepostas a terras indígenas em diferentes fases de regularização ou a áreas com restrição de uso.
A pesquisa, feita pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República e divulgada nesta terça-feira (9), considerou dados extraídos do Sistema do CAR, vinculado ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no período de 21 a 31 de maio de 2020 (leia mais abaixo).
Ao todo, foram identificados 9.901 registros de propriedades cujos limites coincidem com territórios indígenas ou com restrição de uso, ou seja, áreas interditadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para proteção de povos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros.
Os estados da Amazônia Legal, como Pará, Rondônia e Amazonas, lideram a quantidade de sobreposições (veja mais abaixo).
O levantamento, divulgado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidade Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), vai servir como apoio para que procuradores de todo o país atuem no combate à grilagem e aos crime ambientais em terras indígenas.
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Para o coordenador da 6CCR, subprocurador-geral da República Antônio Bigonha, o número expressivo de imóveis rurais com registro no CAR sobrepostos a áreas destinadas a povos indígenas revela a forte pressão que essas terras estão sofrendo, tanto do ponto de vista ambiental quanto fundiário.
“O Estado brasileiro tem que tomar providências para que esse instrumento (o CAR), criado para o planejamento ambiental e econômico, e o combate ao desmatamento, não seja usado para se cometer crimes ambientais e grilar as terras dos índios”, disse em nota.
Pará lidera casos
Segundo a investigação do MPF, estados da Amazônia Legal lideram o número de imóveis rurais localizados em terras destinadas a povos indígenas.
O primeiro é o Pará, com 2.325 registros. Desse total, 1.290 propriedades estão situadas dentro de terras indígenas em processo de regularização e 1.035 em áreas com restrição de uso.
Número de propriedades cadastradas que se sobrepõem a terras indígenas
MPF
Em seguida, aparece o estado de Rondônia, onde foram identificados 1.385 registros de imóveis rurais sobrepostos a áreas indígenas, sendo 1.345 referentes a terras indígenas e 40 a áreas com restrição de uso.
No Amazonas, são 1.163 propriedades irregulares registradas no CAR, uma vez que 524 estão dentro de terras indígenas e outras 639 em áreas interditadas para proteção de povos isolados.
MPF pede o cancelamento dos cadastros
O Ministério Público Federal solicitou providências a diversos órgãos federais, como o Serviço Florestal Brasileiro, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério da Agricultura e o Banco Central.
Entre as medidas requeridas estão o cancelamento do registro desses cadastros, a anulação de licenças ambientais concedidas e a suspensão de financiamentos bancários.
Cadastro Ambiental Rural
O CAR é um registro eletrônico autodeclaratório – ou seja, declarado pelo dono da terra – criado após a aprovação do Código Florestal, em 2012, que reúne informações ambientais das propriedades e posses rurais. Ele é considerado a porta de entrada para a regularização ambiental no país.
O cadastro, que é obrigatório, contém, entre outras coisas, dados do proprietário, documentos de comprovação de propriedade ou posse, e informações georreferenciadas do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública.
A autodeclaração é um tema polêmico para o registro de propriedades no país. Durante a validade da Medida Provisória 910, da regularização fundiária, a concessão de terras públicas que poderia ser feita por meio da declaração do dono da terra, com checagem do governo, foi ampliada.
Para ambientalistas, a medida era um incentivo à grilagem. À época, a reclamação era de que o próprio Cadastro Ambiental Rural mostrava que havia sobreposição de áreas pela Amazônia o que indicaria uma disputa de terras na região.
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